Um problema de dimensão e de liberdade. Nos anos 80, a simples sugestão de proibir "bips" ou "pagers" nas escolas, seria motivo de escândalo.
Corpo do artigo
Nos anos 90, a proposta de interditar os telemóveis mais simples nas escolas só estaria ao alcance da estampa de um ditador. Na primeira década do século XXI, banir as consolas dos intervalos seria um censurável acto de privação das crianças e adolescentes do acesso às novas tecnologias. Já à entrada da terceira década deste século, a proposta de banir "smartphones" das escolas é recebida com aplausos, como se fosse nos intervalos fora de aulas que a educação projectasse a sua ideologia, como se a escola não incorporasse a missão de ensinar a escolher pela urbanidade e equilíbrio e não pela imposição.
Eis a escola a ir pelo caminho mais fácil. A escola digital que procura travar o que há-de vir, zeros e uns e futuro, através da mais arcaica e perigosa solução que encontra, a proibição, é a mesma escola que admite em público a falência do seu próprio projecto de educação em liberdade. Eis a escola a criar a sua mais angular e perigosa esquina, a alimentar o fruto mais apetecido fora de aula. Eis o proibicionismo educativo, em nome da incapacidade de ensinar a beleza e necessidade de um mundo em mãos livres.
A tecnologia como uma droga, tal como a liberdade, na esteira da tese de que há demasiado crime em razão do excesso de videojogos. O entusiasmo proibicionista parece comovente porque surge recheado de bons valores. A amizade, a solidariedade do face a face, o toque humano que não pode falhar, a necessidade do encontro e partilha, uma caridade monástica. Mas não, a escola não é nem pode ser o prolongamento dos pais e muito menos substituir-se a eles. E, ainda que fosse o prolongamento da família, não pode optar pelo papel do querido e tutelar bisavô. Não pode escolher uma piedade quase cristã à base da agitação do crucifixo.
Se é aos pais que compete regular as horas de dependência da tecnologia dos seus filhos em ambiente familiar, é à escola que compete impedir a utilização lúdica da mesma em contexto de aula. Só. Depois, é educar para a escolha. A pretensão da escola de se substituir à vontade de crianças, adolescentes e pais, uma vez fechada a porta da sala, é o maior sinal de que o Mundo corre selvagem depois da saída do portão da escola. Os intervalos seriam um projecto de prisão porque ensinar é outra coisa. Em nome das melhores intenções, não se podem cultivar os piores hábitos de imposição. Pior do que a dependência dos telemóveis. A privação seria servida em GB e com doses de radiação.
*Músico e jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)