No dia 18 de setembro, os escoceses vão decidir uma de duas coisas: ou continuam integrados no Reino Unido ou a Escócia passará a ser um Estado independente. Apresentada assim, a decisão é bastante linear: sim ou não. O Reino Unido é uma democracia, a escolha estava pensada há muito tempo, a Escócia é um território mais do que viável, devido aos seus recursos naturais, e com certeza o Mundo nem acaba nem treme se, porventura, a maioria decidir que, através do exercício do seu direito de autodeterminação, deseja constituir-se em Estado.
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A verdade é que, como de costume, as coisas não são assim tão simples. É que ninguém ou quase ninguém (aqui se incluindo os principais políticos britânicos) ligou grande coisa ao referendo até se perceber que o "sim" podia ganhar. Toda esta confusão de argumentos e contra-argumentos de última hora se deve portanto a uma sondagem que, pela primeira vez, colocou o "sim" em primeiro (ainda que por muito pouco). O "establishment" britânico ficou em estado de choque, ao ponto de os líderes dos principais partidos terem feito desde então declarações apaixonadas a favor da permanência da Escócia no Reino Unido. Nunca o Reino Unido amou tanto a Escócia como quando percebeu que a podia perder.
David Cameron, por exemplo, declarou que se os escoceses decidissem ser independentes ficaria com o coração destroçado e por um triz não verteu lágrimas (fosse eu escocês e ouvisse este dramalhão e votava logo "sim"). O campo do "não" fez saber, por outro lado, que Sua Majestade a Rainha estava "horrorizada" com a ideia de os escoceses irem à sua vida, embora Sua Majestade, tanto quanto se sabe, tenha sábia e recatadamente decidido (por enquanto!) não abrir a boca sobre este assunto.
E, de repente, vieram as ameaças castigadoras. Os bancos com sede na Escócia (à cabeça, o Royal Scottish Bank) anunciaram que, fosse o "sim" o vencedor, transfeririam de imediato a sua sede para Londres. A coisa foi de tal forma planeada e organizada pelo Governo britânico que a decisão do RSB foi comunicada...antes de o seu Conselho de Administração realmente decidir. E, para além disso, tanto se prometeu de repente este mundo e o outro aos escoceses se ficarem no Reino Unido como, em contrapartida, se anunciaram todas as desgraças se porventura, como uns idiotas, decidirem pelo "sim".
A impressão que se vai consolidando é a de que os referendos são organizados, ou aceites, com sentido único. São "excelentes", desde que os votantes digam e decidam o que está planeado: não aquilo que realmente possam querer. Os exemplos têm-se multiplicado a respeito de processos de decisão na União Europeia. Houve já casos em que os votantes disseram "não" à ratificação de um determinado tratado, e logo os responsáveis políticos declararam que se tratava apenas de um pequeno revés e que a consulta seria repetida até os votantes, aí mais esclarecidos, dizerem "sim". O que, aliás, aconteceu.
No caso da Escócia (muito diferente, já agora, do da Catalunha), a situação é algo diversa. Com efeito, venha o "sim" a ser maioritário - coisa, aliás, pouco provável - e a decisão é irreversível, porque já não dependerá de Londres. Talvez, então, se compreenda o motivo por que estes processos de separação territorial (e não secessão, como tem sido erradamente anunciado) são quase sempre associados ao divórcio.
Os defensores do "sim" têm conseguido capitalizar na defesa da sua causa a ideia de liberdade, ou de "liberdade" recuperada, e os defensores do "não" têm insistido, quase sempre, nos custos da separação. Nada, como se vê, que se afaste demasiado da mitologia do divórcio. Tudo, de facto, andou em torno da História e do dinheiro e património do "casal". "Tu vais-te, Escócia, mas não te perdoo e vais ver como ficas a viver pior. E aqui não voltas a entrar se passares a soleira da porta!", dizem uns. "Eu vou-me, Reino Unido, já não aguento mais, quero viver a minha vida e vou gerir o meu dinheiro, vais ver! E tu é que ficas sem o petróleo", dizem outros.
Esta discussão de merceeiro (mas merceeiro fino) faz lembrar, algo cruamente, as antigas fotonovelas do Corin Tellado de que me falava um grande amigo ainda há dias.
Seja como for, os escoceses saberão decidir. Caída a poeira, dia 19 ou há mais um Estado neste Mundo, ou continua tudo mais ou menos como dantes. Desdramatizemos: aguentamos um ou outro resultado, e o Celtic de Glasgow vai continuar a jogar a Champions.