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"Nunca ninguém leu e, sobretudo, nunca ninguém votou por causa de um programa de um partido" - afirmava, ontem, no "Público", Vasco Pulido Valente. É um facto. Desta vez a questão do programa veio para a ribalta porque Ferreira leite tardou em apresentar o seu, foi ameaçando que avançaria umas linhas gerais e desdenhou do programa do PS, "um calhamaço" de propostas que os sociais-democratas duvidam que seja para cumprir, "calhamaço", diga-se, idêntico a outros que o PSD também já apresentou
Todos sabemos que quando chegar a hora do voto funciona para o eleitor sobretudo a empatia que consegue estabelecer com o líder de um partido. É uma questão de confiança, do tipo "aquele é capaz de fazer opções mais correctas" ou "aquele está mais bem rodeado" ou, mais raramente, "aquele não mente". É por isso que Sócrates está constantemente na berlinda: um primeiro-ministro que vai a votos é, normalmente, difícil de bater e os seus opositores sabem bem que o melhor caminho é desacreditá-lo, derrotando-lhe as propostas, mostrando como são irrealistas, diminuindo-lhe a seriedade. São os mesmos motivos, aliás, que levam todo o PS a atacar anteriores passagens de Ferreira Leite pelo Governo a amesquinhar-lhe um programa que chegou tarde, é certo, mas não é tão vago quanto a própria Ferreira Leite dizia.
É assim a campanha. Um jogo quase infantil do tipo o meu programa é melhor do que o teu. Infelizmente é assim mesmo em tempo de crise. E é por isso que, seguramente, o eleitor chegará à hora de ficar sozinho diante do boletim de voto sem perceber que Educação haverá para os seus filhos e netos, que assistência sanitária teremos e a que preço, mas sobretudo se era realmente possível ter outra coisa melhor, se a crise nos deu cabo da Economia ou se à crise internacional deveremos acrescentar erros caseiros. Parece, quase parece, que os partidos apostam em deixar o eleitorado nesta doce ignorância. Debates que poderiam ajudar a contrapor algumas propostas ficam na gaveta. Por exemplo: o PS sofreu violentos ataques, o país assistiu a manifestações grandiosas por causa da avaliação dos professores. É para manter, diz o PS. Alguém sabe, em consciência e em pormenor, o que propõe cada um dos outros partidos?
O facto é que o país vai a votos, escolhendo o que não conhece, optando quase por palpite. O presidente da República diz o óbvio: que não será ele a desviar as atenções do que é essencial e enumera as áreas chaves da governação, ao mesmo tempo que reafirma empenho na cooperação estratégica. Na sua santa ignorância e comodismo, o país, o país dos empresários e o país dos que menos têm, prefere continuar a banhos, certo - uma certeza cada vez mais improvável - de que melhor ou pior, o Estado continuará a protegê-lo.