Sendo uma ciência social, muito do que sucede na economia depende das expectativas dos agentes económicos. Mas, como disse alguém, às vezes basta fazer as contas: por razões internas e externas, com base nas condições actuais e naquelas que é razoável antecipar, Portugal vai ter de encontrar maneira de mudar as condições do acordo conseguido com a troika. Chamem-lhe renegociação ou não! Passos Coelho (e, até, Vítor Gaspar) parece não ter querido perceber isto e, mais cedo do que se esperaria, resolveu enveredar pelo discurso voluntarista de Sócrates, como se os mercados ou, até, os seus parceiros europeus lhe dessem outro crédito, para além de uns elogios de circunstância e umas pancadinhas nas costas.
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As razões para essa impossibilidade prática são variadas. O intervalo de tempo negociado para se conseguir o ajustamento é escasso: exige um esforço tão violento que os efeitos recessivos criam uma espiral negativa, impossível de superar por um aparelho produtivo sem grande margem de progressão no curto prazo. Se não houvesse a restrição orçamental, talvez uma descida da TSU pudesse ajudar a compor a situação, funcionando como um mecanismo semelhante à desvalorização cambial. Assim, não se vê como possa suceder. No imediato, o melhor estímulo seria o Estado pagar as suas dívidas em atraso, e passar a pagar a tempo e horas, mas, para isso, teria tido de negociar outras condições no empréstimo: mais dinheiro e outra margem de manobra na afectação das receitas extraordinárias obtidas. Talvez aqui haja, se não uma janela de oportunidade, pelo menos uma réstia de esperança.
Como se não bastassem os problemas internos, também a situação internacional não ajuda. Já não falo dos principais líderes europeus e da sua obsessão paralisante, com a dívida e o défice, sobretudo nos países com possibilidades de adoptarem políticas mais expansionistas. Não se vê como, sem haver possibilidade de desvalorização nos países em dificuldade, e sem um estímulo à procura nos países com finanças equilibradas, a Europa do euro possa sobreviver. Para ajudar à festa, também a economia chinesa parece estar a desacelerar, o que arrastará com ela um conjunto de países, entre os quais o Brasil. Como quase sempre acontece, restam-nos os americanos que, mesmo no meio de uma luta política extremada, lá vão conseguindo levar a água ao seu moinho, porventura por terem como presidente da Reserva Federal alguém que fez do estudo da Grande Depressão o seu modo de vida. Ou seja, mesmo que tivéssemos um potencial de crescimento das exportações que não temos, o contexto internacional não é promissor, sendo muito difícil conseguir a meta prevista para este ano no crescimento das exportações.
Por tudo isto, vai ser necessária clarividência e determinação política e uma boa dose de sorte na frente externa. Mesmo com riscos, não podemos deixar de escolher. Quando se analisa o défice comercial, verifica-se que há meia dúzia de sectores que são responsáveis por 90% das nossas importações e que apenas outros três ou quatro conseguem ter um saldo positivo. Será possível reduzir a nossa dependência, no primeiro caso, e aguentar ou fortalecer a posição, no segundo? Que políticas podem estimular as empresas mais dinâmicas, num caso e no outro? E, quanto à inovação, em que sectores haverá mais potencial de crescimento? O que fazer para o concretizar? Portugal é um país de prémios. Rara é a semana em que não haja mais uma equipa de cientistas premiada. Faz bem ao ego. Trágicos mesmo, porém, são os dados anunciados pela COTEC, mais uma vez reveladores da nossa incapacidade de transformar despesa em investigação em resultados. Que fazer? Precisamos de um ministro da Economia e Inovação a tempo inteiro, sem medo de decidir, que não embarque na ilusão de que as reformas estruturais bastam na criação das condições de base para sermos competitivos. Não temos tempo para esperar. Até lá vai ser preciso agir. Quem não erra normalmente não faz nada. Os erros corrigem-se, a inércia condena.