Tem sido para mim difícil tomar posição sobre a eutanásia, porque, aqui e ali, fico dividida entre os argumentos de uma parte e de outra.
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Não me interessam aqui questões ideológicas e também não me sinto disponível para atender a argumentos éticos. No meu caso, importa ouvir o que dizem os especialistas e escutar com atenção quem sofre.
Há muitos anos, numa conferência sobre comunicação no Convento da Arrábida, a socióloga francesa Dominique Mehl disse-me, numa entrevista que lhe fiz para a revista Jornalismo & Jornalistas, que, em temas bioéticos, era fundamental dar voz aos envolvidos. Mais do que o traço racional, o discurso jornalístico precisava de um registo da ordem do sentir. Ninguém melhor do que aqueles que carregam o peso das (não) decisões para nos ajudar a entender o que está em causa.
No sábado, a jornalista da RTP Paula Rebelo mostrou-nos a história impressionante de Luís Marques, 63 anos, tetraplégico há 53 anos, há cinco anos dependente de um ventilador. Assegurava ter chegado ao limite. Por isso, inscreveu-se na instituição suíça Dignitas para conseguir ter uma morte assistida. A revolta verbalizada em tom suave nunca subtraiu a violência daquilo que foi contando. Por vários dias, carreguei comigo a pergunta que nos deixou: "Queres vir para o meu lugar?".
Na edição de ontem deste jornal, lá fiquei fixada na peça que destacava Joana Silva que sofre da doença de Huntington, herdada do pai. Parei por uns momentos nesta confissão feita ao recordar o dia em que a Assembleia da República chumbara pela primeira vez a despenalização da morte assistida, tendo alguns deputados festejado isso com aplausos: "Fiquei muito incomodada, aquele som das palmas, dentro daquele edifício, aquele eco ainda está presente na minha cabeça."
Quanto aos diplomas das várias bancadas parlamentares, devo confessar que não tenho discordâncias de fundo. Temo mais a aplicação daquilo que ficar em letra de lei. Daí as minhas hesitações. Que, no entanto, venho desfazendo ao ouvir pessoas em grande sofrimento que reclamam um fim de vida com dignidade. Quem sou eu para impedir isso?
Há uns anos, frequentei, durante algum tempo, salas de quimioterapia enquanto acompanhante de um familiar. Ali percebi como a dor física pode ultrapassar o limite do suportável. Alguns doentes morreram passado algum tempo, não sem antes terem suportado um colossal sofrimento que acaba sempre por deixar marcas profundas em quem lhes é próximo. Em alguns casos, tudo poderia ter sido diferente.
*Prof. Associada com Agregação da UMinho