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As escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova dos mais intrusivos nos direitos fundamentais dos cidadãos. É por isso que a Lei delimita a sua utilização aos crimes mais graves e as sujeita a diversos requisitos. Consagra a CRP que “a todos são reconhecidos os direitos… à reserva da intimidade da vida privada e familiar” e que são nulas “as provas obtidas mediante… abusiva intromissão… nas telecomunicações”. Dita ainda que “os meios de comunicação privada são invioláveis e que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas… nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos em matéria de processo penal”. Enquanto direito constitucional aplicado, o CPP elenca especificamente os casos, condições e formalismos de uso de tal meio de obtenção de prova. Dispõe no seu art.º 187.º, n.º 1 que “a intersecção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter”, por despacho fundamentado do JIC e a requerimento do MP. Em síntese, são admissíveis as escutas telefónicas relativamente aos crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos. Tendo em conta a devassa desta medida na vida privada da pessoa visada, há que ponderar a essencialidade, proporcionalidade e adequação da realização da escuta para a descoberta da verdade, face aos direitos fundamentais daquela. É por isso que se assiste a grandes discussões e polémicas sempre que nos processos mediatizados se publicitam a existência de escutas, o período de tempo que duraram, os pretensos abusos cometidos pelas autoridades judiciárias, a aparente leviandade com que são autorizadas e efectuadas. Estas discussões replicam, normalmente, as teses da defesa que pugnam pela nulidade daquelas. Há alguns anos, verificou-se um pico de recursos interpostos para o STJ e TC, discutindo a nulidade de escutas prolongadas no tempo, sem controlo judicial apertado, realizadas a suspeitos, arguidos e terceiros com eles relacionados, e o valor jurídico das mesmas quando desacompanhadas de outro meio de prova. A jurisprudência pacífica destes tribunais influenciou decisivamente a alteração normativa do art.º 187.º do CPP já citado. Hoje, a intercepção e a gravação das comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por iguais períodos e desde que se verifiquem os requisitos de admissibilidade, são delimitadas ao sujeito, arguido ou intermediário destes no crime e às eventuais vítimas, se estas o autorizarem. É um meio de obtenção de prova fundamental e indispensável à descoberta da verdade. Não procedem os protestos acalorados de quem não serve a Justiça, mas os seus requisitos, formalidades, condições e fundamentação para a sua autorização e realização são inultrapassáveis e inquestionáveis.
A autora escreve segundo a antiga ortografia