Foi anunciado o pagamento de um apoio extraordinário no valor de 240 euros a cerca de um milhão de famílias. Há muito que se reclamava uma especial atenção aos agregados mais vulneráveis, que estão a sentir de forma mais intensa a subida galopante dos preços, designadamente de bens essenciais.
Apesar de esta medida ser positiva, fica a convicção de que peca por duas razões: chega tardiamente a quem sofre há longos meses com a inflação e - sem mais nenhuma outra para a acompanhar - a classe média fica esquecida de qualquer tipo de alívio que poderia ser dado em sede fiscal. E os números demonstram que o Governo poderia ter sido mais ambicioso e, dessa forma, mais justo nos apoios às pessoas. Face a 2021, o Executivo do PS vai registar um crescimento da receita fiscal superior a nove mil milhões de euros. Tem, por isso, mais do que almofada financeira para devolver parte do que recolheu dos contribuintes e que vai armazenando nos cofres públicos.
Na verdade, o esmagamento da classe média é um problema que se tem intensificado ao longo dos últimos anos. Por um lado, tem suportado uma carga fiscal recorde; por outro, tem encontrado os serviços públicos num estado tal de degradação que, em muitos casos, tem recorrido aos setores privado e social para encontrar as respostas de que precisa. O acesso aos cuidados médico-hospitalares é o exemplo paradigmático desta situação. Não é por acaso que nunca se pagou tanto por seguros de saúde como neste ano: até outubro, os portugueses tinham pago 1000 milhões de euros com os seguros privados.
Fora do limiar de elegibilidade que os habilite a receberem qualquer tipo de apoios sociais, são milhares de pessoas para quem a situação é verdadeiramente sufocante. Uma classe média que vê mirrar os vencimentos e multiplicados os gastos com a alimentação, a energia, os combustíveis e a habitação, sem grandes perspetivas de mudança - para melhor - no ano que se avizinha.
Este esmagamento é também ilustrado com o seguinte exemplo de uma família com filhos a frequentar o ensino superior: auferindo pouco acima do que os elegeria para receber bolsa de estudo, não tendo vagas em residência, têm de enfrentar custos com o alojamento que ultrapassam os 300 euros por mês.
Também é necessário olhar para estas famílias e responder adequadamente através das políticas públicas. O alívio fiscal para estas pessoas permitiria que tivessem mais rendimento disponível para alocar às crescentes despesas a que têm de fazer face. Ao nada fazer, o Governo dá mais um contributo para o assustador esmagamento da classe média. Não é compreensível. Não nos podemos habituar.
Jurista
