Foi a primeira alocução de Ano Novo do segundo mandato de Marcelo. Veio lá de dentro, do Palácio de Belém, puxou de uma cadeira, sentou-se e falou. Não demorou muito, o que deve elogiar-se. Parecia estar a falar connosco - e estava, de facto - enquanto bebíamos, juntos, uma ginjinha do Barreiro. Espremido, o que disse o presidente?
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Fatalmente, lá veio a pandemia que Marcelo quer desdramatizar, tornando-a endémica por obra e graça do Espírito Santo. Em português, o presidente não quer que a pandemia "entre" nas eleições do dia 30. Costa quer. É praticamente o seu "programa". O presidente quer "voltar a página". Uma interpretação lata desta faena pode incluir o referido Costa.
Virar a página de Costa. O que este percebeu imediatamente, aparecendo num clip partidário a querer "virar" a sua própria "página".
A da pandemia, precisamente a que não lhe convém "virar" antes das eleições. O presidente puxou pela "previsibilidade" e pela duração. Uma coisa que pode ser lida e ouvida com alguma ironia, depois de Marcelo, o "analista", ter deixado cair, mais do que uma vez, que poderemos esperar "miniciclos políticos". Mais quatro anos de Costa, sozinho ou acompanhado? A sério? Costa quer.
E "segue" para "conseguir" uma maioria absoluta, verbalizada de outra maneira. Marcelo, evidentemente, não quer maiorias absolutas de ninguém. Imagino que o país também não. Sobretudo, o presidente não quer a gestão partidária, solitária, dos fundos do "Plano de Recuperação e Resiliência". O país acompanha-o. Falta esperar pelos resultados fragmentados do dia 30. A oligarquia partidária encaminhou o sistema semipresidencial para um sistema, na realidade, parlamentar.
Não esqueçamos que António Costa, o mesmo que diz agora que, se perder, entrega o lugar, começou este ciclo de seis anos sem ganhar. Não existe a menor garantia de que o Parlamento saído das próximas legislativas seja mais "previsível" que o dissolvido, vindo de 2019.
Aliás, a pantomima à esquerda persiste. Com que cara de pau é que o Bloco e o PC se dispõem a aprovar o mesmíssimo orçamento que rejeitaram, em Novembro, se o PS chegar na frente nas legislativas? Tencionam "virar" alguma "página" que nós não conhecemos?
Entretanto, trinta e um pândegos assinaram um papel a pedir uma "convergência" das esquerdas, depois das eleições, como se a pátria ficasse em risco sem um Governo dependente desta pobre gente parada no tempo. Marcelo fez bem em puxar a cadeira à frente em Belém. Que espere pacientemente sentado.
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*Jurista