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A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) avisou, ontem, os mais crédulos: a dívida pública de Portugal continuará a subir, pelo menos, até 2015. Mais: a concretizar-se o risco de deflação (queda generalizada dos preços que conduz a quebras de produção e consequente aumento do desemprego) que a Organização vê no horizonte, a redução da dívida será ainda muito, mas muito mais difícil. A previsão contraria o otimismo do Governo, apostado em inverter, já em 2015, a trajetória da dívida pública. No mesmo documento, a OCDE assinala o seguinte: num cenário de menor crescimento económico, o Governo "não deve procurar desesperadamente medidas de substituição" para cumprir a meta do défice, porque isso criaria uma "espiral negativa".
Por que motivo interessam, neste preciso momento, as previsões da OCDE? Por três razões.
Primeira: porque servem para colocar gelo nas cabeças quentes que, consumada a "saída limpa", já veem um paraíso onde, na verdade, está ainda o purgatório. Já queima um bocadinho menos, é verdade. Mas ainda queima muito viver aqui.
Segunda razão: porque, ao contrário do que há poucos dias disse o primeiro-ministro, o crescimento da dívida não está estancado.
Terceira razão: porque a OCDE já entendeu que a vida dos portugueses está no osso - e por isso sugere que o Governo pare para pensar, antes de desenhar "medidas de substituição" (quer dizer: mais cortes) para segurar o défice.
Este banho de realidade, por assim dizer, tem a virtude de obrigar os mais crédulos a descer à terra. O presidente da República, por exemplo, parece andar nas nuvens. Escreveu o chefe de Estado na sua página no Facebook: "O que mais me vem à memória são as afirmações perentórias de agentes políticos, comentadores e analistas, nacionais e estrangeiros, ainda há menos de seis meses, de que Portugal não conseguiria evitar um segundo resgate. O que dizem agora?".
Deixando de lado a importante questão de saber se Cavaco Silva está a falar como presidente de todos os portugueses ou como economista, talvez convenha recordar o básico: os portugueses estão a viver muito pior, senhor presidente! O caminho que temos pela frente (desemprego, brutal dívida externa pública e privada, reestruturação do sistema produtivo, incremento das exportações, combate a ancestrais atrasos estruturais, pobreza, euro, etc., etc., etc....) não se faz dividindo-nos em espertinhos (os adeptos da "saída limpa") e burrinhos (os adeptos do cautelar).
E também não se faz escondendo dos portugueses segredos de polichinelo, como o da famigerada "carta de intenções" que o Governo passará ao FMI. Por que razão não é a missiva divulgada, em nome da transparência? É um erro político que, parecendo menor, só aumenta a irritação de quem, como os portugueses, tem a alma já bastante enrugada.