Há muitas formas de ver a mesma coisa, mas no que toca àquilo com que se compram os melões, a melhor perspetiva talvez seja fazer de conta que não vamos ter eleições. É a isso mesmo que parecem convidar algumas medidas e respetivo impacto social inscritas no famoso DEO (Documento de Estratégia Orçamental), proposto para vigorar até 2018, ou seja, para ser aplicado ainda por este Governo, mas também pelo que há de substituí-lo em resultado das eleições legislativas marcadas para o próximo ano.
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Dois tópicos exemplares do DEO nesta matéria de bloqueamento eleitoral são a nova graduação dos cortes (agora definitivos) nas pensões, conjugada com o agravamento dos preços ao consumidor por efeito da sobrecarga do IVA. Digo exemplares porque da sua conjugação resulta a ilação política de que o atual quadro de impostos e taxas é para manter até 2018, ou, em alternativa, aos 300 milhões de euros também previstos no DEO para despedimentos na Função Pública teria de ser aplicado um multiplicador de efeito desconhecido, por enquanto...
Em boa verdade, a nova graduação dos cortes nas pensões alivia em particular o segmento médio alto, ou seja, os pensionistas que recebem entre 2200 e 4900 euros. Assim, torna-se este segmento da classe média mais apto a garantir que o nível da receita fiscal sobre o consumo poderá manter-se ou até crescer um pouco apesar do aumento do IVA.
Esta espécie de sistema de vasos comunicantes instalado na política orçamental tende a aprisionar qualquer alternativa política que não encontre uma resposta pelo lado das receitas e cujos impactos sociais sejam credíveis para além das miríades eleitoralistas.
Eis, pois, o momento de ouro para as forças políticas atualmente nas oposições procurarem responder a este desafio, o qual implicaria dar aos cidadãos, em particular os eleitores, a possibilidade de racionalizar soluções que não passem inevitavelmente por dar com uma mão e tirar com a outra.
Para o PS, que pretende confirmar nas urnas a sua credibilidade como alternância de Governo, é claro que o desafio não passa por abandonar o euro e não pagar a dívida. Ainda assim, António José Seguro vai ter de encontrar os termos credíveis de um programa de Governo em que dê garantias aos portugueses de que poderá ignorar este sistema de vasos comunicantes, de dar com uma mão e tirar com a outra, a partir de um compromisso nacional e internacional para colocar Portugal a crescer mais do que os previstos 1,5 por cento e, em consequência, também os postos de trabalho.
Se o não fizer, não é dito que não ganhe as eleições. Poderá acontecer. Mas a seguir, se for Governo, deparar-se-á com a quadratura do círculo das despesas do Estado: manter o sistema de dar com uma mão e tirar com a outra ou despedir ainda mais funcionários públicos.