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Desde que Passos Coelho se "enTSUsiasmou", não passa uma semana sem que alguém do Governo, ou arredores, deite mais lenha para a fogueira. O primeiro-ministro recuou na TSU para, na primeira oportunidade, se queixar da incompreensão dos portugueses. Carlos Moedas deu uma alfinetada nos empresários e, cereja em cima do bolo, António Borges chumbou--os, não sem antes lhes chamar ignorantes. Tudo declarações que denunciam desorientação, fruto da arrogância intelectual e da presunção de uma capacidade salvífica que os portugueses, mal-agradecidos, não lhes estariam a reconhecer. As afirmações de Borges causam tanta mais estranheza quanto o distinto professor sabe que a forma simplista como Passos Coelho apresentou os efeitos da TSU, essa sim, já nem aprovação na disciplina de economia do Secundário daria.
Talvez contagiado por este desnorte, o PS, com Seguro à cabeça, tem-se desdobrado em proclamações radicais, oportunistas, de que o pré-anúncio do voto contra o orçamento é o exemplo mais sintomático. O PSD fez-lhes o mesmo aquando do PEC IV? As circunstâncias actuais exigem um outro sentido de Estado de quem pretende ser alternativa de poder. Só "bota--abaixo" é pouco.
O Executivo carece de bom senso e aconselhamento político. Alguém que lhes dissesse que é um erro, quando as coisas correm mal, desatar a tentar apresentar serviço sem a ponderação devida. O processo de avaliação e extinção das Fundações é, a esse propósito, exemplar. Arrastou-se um ano. O resultado foi pífio. Somem-se-lhes as trapalhadas e as desautorizações e dá quase nada. Deixo uma sugestão bem simples: todas as fundações serem obrigadas a tornar público o respectivo relatório e contas, contendo uma descrição detalhada do seu património. Ao fim e ao cabo, mesmo que não tenham apoio directo, usufruem de isenções fiscais que valeria a pena comparar com os benefícios que decorrem da sua actividade, para ver se há proporcionalidade entre um e outro e se não existem situações de instrumentalização abusiva, para fins privados, do estatuto fundacional. Quem não cumprisse perderia as regalias. Às vezes, mais do que processos muito complexos, o escrutínio público é pressão suficiente. Quem não deve, não teme. Permita-se-me um aparte: a publicitação do que é pago com dinheiros públicos devia ser regra. Alguém percebe que haja um estudo sobre as PPP que vai sendo divulgado à Comunicação Social à medida das conveniências mas a que os contribuintes, que o pagaram, não têm acesso?
O clima de insanidade tem-se espalhado para fora da esfera política. Não relevo episódios como a protagonizado pela repórter que, em frente ao Palácio de Belém, perguntava, entusiasmada, se não achava que as manifestações em Portugal tinham demorado. Nem sequer o "Expresso" ter posto as "Pussy Riot" a subir por terem sido nomeadas, por um grupo de parlamentares europeus, para o prémio Sakharov (os nossos deputados não têm o exclusivo do desatino). São fait divers. Não é o caso do parecer da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre o financiamento dos custos dos medicamentos, um assunto importante. A sua divulgação desconchavada não legitima o tratamento sensacionalista e enviesado que lhe deu a Comunicação Social e, menos ainda, dada a responsabilidade, a reacção irresponsável e incendiária do bastonário da Ordem dos Médicos. Bastaria terem lido o parecer - que diabo, são apenas 15 páginas! - para se perceber que a maior parte do que se disse que dizia não está lá. E o que está aponta no sentido de fomentar o debate, em termos que, a um leigo, pareceram razoáveis. Não nos iludamos. A saúde é uma área crítica, em que se cruzam valores (éticos) e valores (impostos). Os recursos não são ilimitados. Os problemas existem. Ou se discutem e clarificam, se estabelecem as prioridades, se fazem opções (é disso que se trata!) e se assumem os respectivos custos (idem) ou, ao adoptar uma lógica de negação, ao meter a cabeça na areia, se escancaram as portas para a tal lógica economicista que se diz recusar.
Falta temperança no nosso dia-a--dia. Isso paga-se.