<p>Com a campanha eleitoral a queimar os últimos cartuchos, permanece bem viva a convicção de que nenhum partido será suficientemente forte para encostar os restantes às cordas, asssegurando base parlamentar para governar sozinho. Umas quantas almas vislumbram nesse cenário a prova provada de que vem aí um cataclismo político, precisamente quando o país mais carece de um Executivo de betão. </p>
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Há meia dúzia de dias, não faltava quem vaticinasse que o resultado das eleições convocaria Belém a uma intervenção mais activa, supostamente como flor vicejante no meio do caos que uma maioria relativa criaria. Agora nem a esse pronto-socorro alguém acredita que é possível recorrer. Pelas razões sobejamente conhecidas, o presidente da República está, politicamente falando, nos cuidados intensivos. Quando se restabelecerá é o que falta saber. E não vale a pena pôr mais na carta quanto às recentes atitudes do presidente da República, que já foram por demais comentadas.
Em tais circunstâncias, quem mede a estabilidade política pela dimensão das vitórias eleitorais tem razões para ficar apreensivo. Vale a pena, porém, examinar a pertinência do argumento. Será a maioria absoluta condição de estabilidade política ou terreno por onde entram, sem pedir licença, os maiores atropelos aos princípios democráticos, criando instabilidade? Se sem ela fica comprometida a governabilidade, então a maior parte dos países europeus - onde as coligações, pré ou pós-eleitorais, são encaradas com a maior das naturalidades - estariam mergulhados em profundas crises políticas.
Dir-se-á que, privado de maioria absoluta, o partido vencedor não pode ser responsabilizado, na governação, pelo programa com o qual se apresentou ao eleitorado. É verdade. Mas uma maioria relativa, se lhe cria essa dificuldade, não o deve impelir a uma atitude demissionista. Pelo contrário, exige do partido mais votado a demanda de consensos, em sede parlamentar. O que não pode impor pela força do número de deputados, terá de depositar na mesa das negociações com outras forças, de forma aberta e transparente, com humildade e espírito dialogante.
Nesse sentido, cresce a sua responsabilidade e, na mesma proporção, a responsabilidade das oposições. Valoriza-se o papel do Parlamento, na exacta medida em que compromete os diversos partidos. Quem der um passo em falso, arrisca-se a pagar o preço. Já vimos um filme destes em 1987. O Governo minoritário de Cavaco Silva foi derrubado por uma moção de censura que o extinto PRD apresentou e o PS de Vítor Constâncio se apressou a apoiar. O Governo caiu, por entre queixas de que a Oposição não o deixava trabalhar. E conquistou a maioria absoluta na eleição seguinte.