Corpo do artigo
Marcelo Rebelo de Sousa congratulou-se com o facto de, apesar de todas as suspeitas em torno da sua atuação no caso das gémeas brasileiras, continuar a merecer a aprovação de 65% dos portugueses. Esta capacidade que o nosso povo tem de destrinçar o essencial do acessório, desvalorizando uma ou outra “árvore polémica” no meio da floresta, é, sem dúvida, uma mais-valia. Significa, por exemplo, que, em princípio, não seremos tão permeáveis ao populismo como os italianos ou os húngaros - só para dar dois exemplos no quadro europeu -, nem tanto quanto os brasileiros ou os norte-americanos. Apreciamos e valorizamos os poderes e os contrapoderes da nossa democracia.
No entanto, nada deve ser tomado como garantido. Olhemos para o país vizinho. O discurso do rei Felipe VI, no dia da consoada, é sintomático. O monarca fez uma defesa arreigada da Constituição. Espanha está a terminar o ano num clima de alta tensão. Duas eleições consecutivas obrigaram os partidos a recorrer a acordos inéditos, amnistiando independentistas e enfraquecendo o Estado central. Este caldo conduz, nos discursos dos políticos, à quase deslegitimação mútua. Salvo todas as diferenças entre o par ibérico - os espanhóis têm um sistema de monarquia constitucional e de autonomias regionais -, estamos perante duas democracias parlamentares enquadradas pelas regras e princípios da União Europeia e da Zona Euro.
No limite, Portugal correrá apenas o risco de uma alternância política mais acelerada a partir de março de 2024. Passaremos de uma estabilidade problemática - os casos do Governo de Costa eram já anteriores ao episódio que desencadeou a demissão - para uma instabilidade controlada. Ou seja, tal como na Física ou na Economia, dificilmente cairemos no caos. Já Felipe VI, pelo contrário, teme o risco de desordem grave.