Há que começar por reconhecer que a nossa democracia, em termos comparativos - na Europa e no Mundo - se encontra em boa forma!
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1. O primeiro critério de avaliação de um regime democrático é, naturalmente, o respeito pela vontade popular. Os candidatos eleitos pelos partidos da Esquerda, em outubro de 2015, interpretaram corretamente as expectativas dos eleitores e constituíram-se numa maioria parlamentar de apoio a um Governo socialista. Apesar da gritaria inicial da coligação da Direita - a deplorada PaF que governou a seu gosto durante quatro tristes anos e quase destruiu o país! E a despeito dos prognósticos de catástrofe e das profecias apocalípticas então debitadas, a verdade é que nova maioria parlamentar triunfou: os partidos da Esquerda asseguraram o cumprimento de todas as políticas que tinham acordado para esta legislatura, os abusos e as injustiças do anterior Governo do PSD/CDS foram corrigidos e os constrangimentos políticos e financeiros impostos pela União Europeia foram ultrapassados. Por fim, o nosso ministro das Finanças iria ser entronizado no famigerado Eurogrupo, uma instituição ansiosa por lavar as mãos do tratamento brutal e humilhante que infligiu ao Governo de um Estado-membro e ao povo grego, numa atitude sem precedentes na história da União.
2. Deste modo, acabamos por merecer o generalizado reconhecimento internacional. Cumprimos o segundo critério! Também aqui, o desempenho da nossa democracia foi, ainda assim, satisfatório... Condicionados por uma Europa que continua à procura da sua identidade, sem uma orientação de política externa comum que lhe permita uma afirmação autónoma perante a comunidade internacional, demonstramos que, hoje, os entendimentos à Esquerda sobre as questões internas essenciais não implicam fatalmente ruturas insanáveis no plano internacional. Até porque o poder "de facto" continua a ser uma regra de reconhecimento entre estados soberanos...
3. As democracias constitucionais incorporam um terceiro princípio fundacional, forjado nas revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX que derrubaram os regimes de monarquia absoluta. Com base na constatação pragmática de que só o poder é capaz de controlar o poder, o princípio da separação dos poderes foi inscrito nas leis fundamentais como antídoto preventivo da tirania e da corrupção. E também aqui, o desempenho da nossa democracia é muito positivo. O Conselho Superior da Magistratura, órgão supremo dos tribunais judiciais, tomou a decisão inédita de apreciar o teor de uma sentença e de aprovar a punição disciplinar do magistrado judicial que a subscreveu. A sentença é a expressão definitiva da autonomia judicial. Por isso, há que louvar a coragem do Conselho por ter sabido colocar a independência dos tribunais acima de espúrias conveniências corporativas.
4. O direito à saúde e o direito à habitação são objeto de trabalho parlamentar com vista à aprovação das respetivas leis de bases. A Constituição determina que a proteção do direito à saúde é uma obrigação prioritária do Estado, a concretizar através de um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito. Quanto ao direito à habitação, a lei fundamental incumbe o Estado de providenciar o adequado enquadramento legal, de promover a construção de habitações económicas e sociais em colaboração com o poder local e regional, e a incentivar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução. Em nenhum caso se prevê ou admite que a garantia destes direitos se deva concretizar em regime de concorrência com a iniciativa privada cujo contributo, nestas áreas, se deseja a título complementar e sempre subordinado ao interesse geral.
5. Não defraudar os eleitores e prestar contas do que se faz é a única via para restabelecer a confiança na democracia e para a defender dos seus perversos inimigos. Há que seguir em frente.
*Deputado e professor de Direito Constitucional