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Infelizmente, nem sempre o Verão é pateta como deveria ser. Antecipava-se uma época estival entretida com o aproximar das autárquicas, com um olho na turbulência internacional e outro nas taxas de juro, animados pelo fluxo turístico e sem qualquer situação que não pudesse ser debelada a golpes de "otimismo irritante".
A história política do país estava como que suspensa, quando o melhor que havia para comentar eram umas nomeações para administradores não executivos de uma empresa que é metade pública e umas quantas greves para marcar o ponto. Embalados pela aliança presidente/primeiro-ministro/"geringonça", o Verão passaria "despacito", até que no rescaldo das autárquicas e na discussão do Orçamento a vida retomaria o seu ritmo normal.
O incêndio de Pedrogão Grande veio alterar isso tudo. O estado de graça esfumou-se, a começar pelo do Presidente da República. As declarações precipitadas de Marcelo Rebelo de Sousa - de tanto falar, um dia haveria de errar - de que "não era possível fazer mais" colocaram-no na posição insustentável de alguém que surgiu mais interessado em aplacar ânimos e distribuir afetos do que, perante a gravidade dos acontecimentos, pedir explicações e exigir responsabilidades.
Quanto ao Governo, falhou na sua obrigação de proteger a comunidade que serve, deixando à mostra o país que somos, desordenado, desorganizado, mal preparado, que mais uma vez se afunda nas suas limitações. Bem sei que a Natureza teve um papel crucial no desenrolar dos acontecimentos e que o aquecimento global está aí para acentuar a nossa fragilidade. Bem sei que são muitos anos acumulados de desleixo na política florestal e na gestão dos meios e dos homens que são chamados para a frente de combate. Mas temos de ir para além do contexto. É preciso responder com muita clareza à pergunta que o JN colocou na sua primeira página: "Como foi possível"?
Não me move a necessidade de encontrar culpados para exibir na praça pública e assim expiar num gesto simbólico, mas espúrio, as falhas coletivas. Mas há responsáveis operacionais e políticos a quem são exigidas explicações, sob pena de nada aprendermos e de vivermos para sempre no receio de que o que deveria ser impossível volte a acontecer. E não chega. Precisamos de medidas decisivas para a floresta e para o combate ao fogo que nos tirem deste estado de desgraça e nos façam voltar a acreditar num futuro em que não vivamos envergonhados pela forma como morreram 64 concidadãos nossos. Eles merecem isso. Nós precisamos disso. Possamos todos estar à altura das nossas responsabilidades.
* SUBDIRETOR