Para assinalar o dia internacional contra a corrupção, o Governo resolveu dar uma prenda a todos os que acreditam no Pai Natal, que é como quem diz a todos os que acreditam que a delação premiada é a forma mais eficaz de combater a corrupção. Anunciou a intenção - para já, apenas, a intenção - de facilitar a delação e permitir o negócio das sentenças com os primeiros criminosos que abrirem o bico.
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Sem prejuízo dessa colaboração poder ter algum tipo de prémio, como a redução de pena decidida pelo juiz em fase de julgamento, mostram os exemplos norte-americano e brasileiro que tudo o que vá para lá disso resulta em menos justiça e não em mais justiça. Apenas um exemplo: nos Estados Unidos, mais de 50% dos arguidos que negociaram as penas eram inocentes e mais de 95% dos processos foram resolvidos dessa forma. Num país onde, com demasiada frequência, inocentes são condenados, até com pena de morte, a justiça virou um negócio. Os procuradores pouco investigam, limitam-se a ameaçar, esperando que dessa ameaça resulte um processo de rápida resolução. Em terras do Tio Sam, a morosidade da justiça não é o principal problema, mas o bebé vai com a água do banho demasiadas vezes.
Sim, há uma grande diferença entre a delação premiada brasileira e a "plea bargain" norte-americana. A negociação brasileira aplica-se a crimes muito específicos, como se pretende fazer em Portugal, enquanto que a negociação norte-americana se aplica a quase todos os crimes, mas estamos sempre a falar de uma negociação com criminosos ou com inocentes que, no desespero de se verem a pernoitar numa cadeia, assumem uma culpa que não têm.
O que precisamos agora de evitar é que este voluntarismo socialista, refém de uma suspeita de que a grande corrupção está impregnada no seu ADN, se transforme num pacto do Diabo com aquela parte do Ministério Público que gosta de condenar nas capas dos jornais. O combate à corrupção começa por pagar bem a quem tem o poder de decisão, prossegue com meios eficazes de investigação no Ministério Publico e na Policia Judiciária e termina na independência do poder judicial, que premeia quem trabalha bem, mas também pune quem trabalha mal.
Acreditar que a corrupção se combate dispensando a obrigação de investigar, criando um novo incentivo para os corruptos - se forem apanhados, basta-lhes passar ao estatuto de delatores -, é demitir o Estado da sua obrigação de combater a corrupção. Estão com dúvidas? Lembrem-se que nem os Estados Unidos são dos países com menos crime, nem o Brasil com menos corrupção.
Jornalista