A frase "então que se lixem as eleições" proferida pelo primeiro-ministro em nome do que deve ser feito para salvar Portugal e não do que deve ser feito para salvar os votos já foi lida e treslida o suficiente, mas talvez valha a pena considerá-la no quadro das expectativas que temos sobre o futuro. Todo o futuro, e não só o futuro eleitoral do PSD a que se estaria a referir Passos Coelho, a partir de 2013, com as autárquicas.
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Os resultados ontem divulgados pelo Eurobarómetro não deixam qualquer dúvida: os portugueses são os europeus mais pessimistas sobre todos os aspetos da crise em que estamos mergulhados. Nada menos de 78 por cento dos nossos concidadãos acham que o pior está ainda para vir. Impressionante: a média portuguesa do pessimismo consubstanciado na sensação de que o futuro será ainda mais negro é 18 por cento mais elevada que a da União Europeia no seu todo e 17 por cento mais elevada que a da Zona Euro que alberga 27 estados.
Além do mais, o pessimismo português é coisa arreigada, que não cede a promessas políticas, sejam elas as mais desapegadas da demagogia eleitoralista. Quando o Eurobarómetro questionou 33 mil europeus sobre o desemprego, apenas 16 por cento dos nossos concidadãos responderam ter fé que o pior já lá vai. Na União Europeia, a média dos que acham que o futuro nos reserva menos desemprego é bem mais alta que em Portugal: 30 por cento. E, em consonância, na Zona Euro a média é de 29 por cento relativamente aos que acham que o pior já passou no mercado do trabalho.
A frase de Passos Coelho "que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal" reunia os ingredientes para interpretações de todo o tipo.
A interpretação do tipo patriótico foi uma delas: afinal, o primeiro- -ministro teria proferido a frase no quadro de uma reunião partidária, querendo vincar que a militância e o trabalho político devem ser submetidos ao espírito de missão e serviço público.
Logo veremos se a frase terá efeito no dia a dia das nomeações para os cargos e missões no aparelho de Estado e na administração pública.
Outra interpretação que surgiu entre os comentadores políticos foi a populista: afinal, o primeiro-ministro falava aos seus companheiros de partido, mas sabia que as televisões fariam ecoar o novo despojamento do PSD como um sinal de redenção política a bem da Nação.
O pessimismo desesperante dos nossos concidadãos, revelado pelo Eurobarómetro, talvez permita alguma reinterpretação da frase do nosso primeiro-ministro: afinal, Passos Coelho poderá ter já percorrido o suficiente da ação governativa para estar tão pessimista quanto os seus concidadãos sobre as possibilidades de regeneração das práticas partidárias que nos arrastaram até aqui. Até a este ponto em que estamos como São Tomé: ver para crer.