Corpo do artigo
Esta é uma altura estranha em que se cavam trincheiras, num ambiente agreste que cheira a pólvora. Não creio é que a atividade se adeque aos tempos muito difíceis que temos tido e àqueles que (aposto dobrado contra singelo) estão a chegar.
Passadas as eleições, e por uma extraordinária coincidência, as más notícias foram pingando a um ritmo constante. Logo na intervenção a seguir a 4 de outubro, o tom do presidente da República foi bem mais pessimista e sombrio do que os ventos tépidos que vinha antes anunciando. A devolução do IRS encolheu em trinta dias e irá encolher o mais que se verá. E não sabemos ainda quais as surpresas desagradáveis a que se referiu António Costa e que temos deixado em banho-maria para não aborrecermos os "mercados".
Não é por isso impossível que a fava esteja destinada a quem for Governo, e não a quem dele for arredado. O bolo-rei ainda está no forno, é verdade. Mas as nuvens estão outra vez carregadas de negro e vão ser precisas unhas especialmente resistentes para tocar a guitarra da governação nestes tempos de cólera.
O presidente da República falou pela segunda vez e encarregou Pedro Passos Coelho de formar Governo. Fez bem. O problema é que o discurso não acabou nesse momento. E quase tudo o que depois falou foi mau. Agrediu sem necessidade, radicalizou posições. Prejudicou o líder do PSD, depois de lhe ter cometido após as eleições uma tarefa mais do que ambígua. Contribuiu para que, hoje em dia, a atividade preferida seja disparar sobre os moderados, reforçando os falcões de cada lado e tornando o diálogo cada vez mais difícil. No momento em que mais precisamos de dar as mãos, afiamos catanas.
O presidente da República não tem de ser neutro, e nunca ninguém lhe pediu que trauteasse a "Grândola, Vila Morena". Mas não pode ser parcial, mostrar que exerce o múnus irritado ou movido por rancores pessoais ou ideológicos. Tragicamente, é esse o papel que quase todos agora lhe atribuem. Uns, olham-no como aliado e seu soldado. Outros, como combatente inimigo.
Defendi antes, muito convictamente, que não existia uma "Esquerda" "unificável" em Portugal. O Senhor Presidente da República pode passar à História como aquele que a juntou à bruta em duas semanas.
Se a condecoração ainda existisse, bem merecia a Ordem Lenine 2015.
*PROFESSOR UNIVERSITÁRIO