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Foi um tema incontornável deste mês de agosto. Mesmo para quem esteve de férias. Mesmo para quem fez o esforço de se manter distante da atualidade. O tema era relevante e teve acompanhamento permanente dos jornais, conferindo-lhe uma visibilidade anormal. Acresce que tinha uma boa dose de espetacularidade, pelas imagens e pelo enredo de novela, e isso garante a atenção das televisões. Houve gritos, raiva e desespero. Houve protestos e uma violência sempre latente, fosse verbal, psicológica ou física. Houve decretos ministeriais e decisões de tribunais. Os protagonistas atacaram-se sem pudor e até se insultaram. O tema contaminou a ação governativa e trouxe turbulência política, até por haver eleições como pano de fundo. E, por último, conferindo volume ao tema, houve a "pança". Eu sei. Esta é a parte em que o leitor se pergunta: em que dia é que a greve dos camionistas meteu uma pança? Não meteu. O que leu não remete para a nossa alegada crise energética, que terminou por decreto à meia-noite. Antes para a centena e meia de migrantes encurralados dentro de um barco, a escassas centenas de metros da ilha italiana de Lampedusa. Gente que fugiu à violência e à fome nos seus países de origem. Náufragos que a tripulação do "Open Arms" salvou da morte no mar. Pessoas desesperadas que o Governo italiano recusa acolher nos seus portos, mesmo sabendo que há países europeus (Portugal incluído) disponíveis para os receber. O título "roubei-o" a uma crónica de Javier Cercas, no jornal espanhol "El País". Como diz o escritor catalão, quando alguém se depara com uma tragédia no mar, age com decência: recolhe os náufragos, leva-os a porto seguro, dá-lhes de comer e de beber, arranja-lhes abrigo. Só então a questão se transforma num problema político. Ou "estamos todos loucos"? Nota de rodapé: a pança é do ministro do Interior Mateo Salvini. E só aqui é referida porque a exibiu e dela falou com orgulho, enquanto fazia comícios nas praias e envergonhava os italianos (por ação) e os restantes europeus (por omissão) com a sua desumanidade.
*Chefe de Redação