Corpo do artigo
A informação estatística é como um espelho. Revela imagens do estado da educação, da saúde, do emprego, da economia, da demografia, do território ou das condições de vida, que podem ser comparadas nacional e internacionalmente. Elas permitem conhecer melhor a realidade e atuar com mais eficácia para melhorar a situação das pessoas, das instituições e do país.
O poder político tem com as estatísticas uma relação potencialmente tensa. Por um lado, estas só são úteis se forem tecnicamente rigorosas. Por outro, sendo rigorosas revelam por vezes situações que não agradam aos poderes políticos. A consagração do estatuto público, mas com autonomia técnica e científica dos organismos estatísticos, foi a solução encontrada para a convivência com aquela ambivalência e a independência de interesses setoriais.
Quando a tensão potencial se concretiza, tendem a ser lançadas suspeições sobre os organismos estatísticos. Da suspeição à pressão vai um passo perigoso que se torna inaceitável quando envolve interferências na autonomia técnica dos organismos, a proibição de produção ou de divulgação de dados ou a imposição de alterações nas metodologias de recolha e tratamento de informação.
Dois episódios recentes motivam esta minha reflexão.
Nos EUA, Trump demitiu a responsável do Bureau of Labour Statistics, com a acusação de manipulação dos dados sobre o emprego e o desemprego para denegrir as suas políticas. Na realidade, Trump não gostou dos dados da retração do emprego e atacou mais uma instituição pública, despedindo uma dirigente escolhida com base num acordo bipartidário (ver "Donald Trump escalates his war on numbers" no "Economist" de 4 de agosto).
Por cá, e ressalvadas todas as diferenças, que são muitas, o presidente da República lançou dúvidas públicas sobre as últimas estimativas populacionais do Instituto Nacional de Estatística (INE), por discrepâncias entre estas e os dados sobre a imigração comunicados pelo Governo. Prosseguiu, pressionando o INE a antecipar o próximo Censo. Depois dos prejuízos causados à credibilidade e autonomia técnica do INE, ficámos a saber que as discrepâncias se devem ao facto de a AIMA não ter publicado os dados sobre imigração em 2024 e 2025 necessários à realização das estimativas populacionais pelo INE. O Governo, e não organismos estatísticos independentes, passaram a ser as fontes desses dados!
Precisamos de mais literacia estatística. Só esta permitirá aos cidadãos apoiar a defesa dos organismos estatísticos quando o poder político falhar nos seus deveres de proteção da autonomia desses organismos.