Em Washington, mesmo em frente à Casa Branca, chegou a vez da tentativa de apeamento da estátua equestre de Andrew Jackson, o sétimo presidente dos Estados Unidos da América.
Corpo do artigo
A escultura não tombou mas os motivos invocados pelos manifestantes são bem esclarecedores: foi com ele que se iniciou o genocídio dos nativos norte-americanos, erroneamente designados por "índios", porque naquele continente desconhecido "tropeçou" Cristóvão Colombo, em 1492, quando tentava chegar às fabulosas Índias. Caberia a Fernão de Magalhães - que também lá não conseguiu chegar porque morreu na viagem, em 1521 - a glória da primeira viagem de circum-navegação ainda que, por atalhos mais seguros, Vasco da Gama já tivesse aportado às verdadeiras Índias, as Orientais, seis anos depois do equívoco de Colombo.
A primeira representação cartográfica, empiricamente comprovada, do globo terrestre tem apenas 500 anos. África é um continente em grande parte retalhado ao sabor dos sucessos e fracassos das rivalidades entre potências europeias. A própria Europa, com as fronteiras resultantes da derrota de Napoleão Bonaparte, é um produto do século XIX. Ali, a União Soviética e a antiga Jugoslávia viriam a dar lugar, no século seguinte, a inúmeros estados e a novas fronteiras. Gibraltar e Olivença, a Crimeia ou o Kosovo continuam a suscitar, episodicamente, tensões internacionais e embaraços diplomáticos. Ainda não tomamos consciência de que o mapa político do Mundo é uma construção artificiosa, precária e recente, incessantemente desenhada e retocada, com suor e sangue, por gerações sucessivas. A história, ainda antes de o ser, sempre foi contada, escrita e reinventada no indicativo presente. Os nomes das ruas, das praças, dos jardins, dos monumentos, das estátuas e até das cidades, são o testemunho disso mesmo: o desígnio de legar às gerações futuras a memória construída pela geração presente. Assim, Lourenço Marques, em 1975, tornou-se Maputo.
Os atos de vandalismo que por cá indignaram tanta "gente de bem", da Esquerda à extrema-direita, não podem servir de pretexto para impedir o debate indispensável e a reflexão crítica sobre os mitos herdados do romantismo nacionalista e mais tarde apropriados pelo Estado Novo para ocultar a faceta mais cruel da exploração colonial, negar o racismo, a escravatura e o "tráfego negreiro" que permaneceram impunes demasiado tempo. O Reino Unido dá o exemplo! Diz o "site" católico "Sete Margens" que o Banco de Inglaterra, na esteira da Igreja Anglicana, declarou que "está consciente de algumas ligações indesculpáveis que envolvem antigos governadores e administradores e pede perdão por eles". Nesse sentido, anunciou "que iriam ser retirados do seu edifício os retratos de ex-dirigentes que tenham estado envolvidos no comércio de escravos". Em tempo!
*Deputado e professor de Direito Constitucional