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A estátua que representa Camilo Castelo Branco agarrado a uma mulher nua deve ou não ser removida? Os signatários de uma carta dirigida ao presidente da Câmara do Porto consideram que o objeto artístico em causa agride a memória do escritor, causando-lhes um “desgosto estético”. Sublinham ainda o ultraje provocado pelo facto de Camilo estar “abraçado a um exemplar mais ou menos pornográfico”. Portanto, temos um génio da literatura envolvido fisicamente com “um exemplar” e não com uma mulher, termo totalmente ausente da carta. Há quem comente este pedido como sendo um clamor pela igualdade dos sexos, mas nada do que ficou gravado na missiva indicia que assim seja.
Independentemente das verdadeiras intenções do núcleo de 37 notáveis defensores dos bons costumes, estamos perante um revisionismo, algo que é sempre perigoso. Nós, figuras esclarecidas, podemos arrogar-nos o direito de ditar que esta ou aquela estátua está ou não de acordo com a moral em voga no ano de 2023? Mesmo que inconscientemente, há quem caia na tentação de controlar o presente para redefinir o passado, o que acaba por ser uma atitude orwelliana.
Como me dizia um arquiteto conhecedor da História da Arte e de alguns dos protagonistas da polémica camiliana, porque não discutir a remoção do Marquês de Pombal, em Lisboa? Porquê? Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de D. José I e futuro Marquês de Pombal, foi responsável por um massacre que chocou a Europa da altura. Os membros da nobre família Távora foram executados em público, sob o pretexto de uma tentativa de regicídio. Outro exemplo: o Marquês mandou atear fogo na Trafaria, em 1777, alegadamente porque “ali se alojavam criminosos, e os pescadores não pagavam os impostos”. O presidente da Câmara de Lisboa não quererá remover a estátua da praça com o nome do político que redefiniu parte importante da capital após o terramoto?