Estatuto do Antigo Combatente: só para as Forças Armadas?
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Escrevo sobre este tema porque, mais uma vez, me inquieta a visão de ciclope que o Governo apresenta quando legisla sobre determinadas matérias. O robustecimento e ampliação dos benefícios concedidos a militares das Forças Armadas (e da GNR) são de saudar, e de pé. Agora, como sempre, no processo legislativo é devido um trabalho que pugne por abarcar todos os profissionais que, cumprindo a ratio legislatore, não fiquem afastados da sua incidência por mera tacanhez ou inépcia do legislador ou, não quero acreditar, barreira ideológica. Neste caso, foi exactamente isso que aconteceu, deixando Polícias da PSP que, nos termos do diploma, "tenham participado em missões humanitárias de apoio à paz ou à manutenção da ordem" (cf. art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 61/2024). Ora, não temos dúvidas que os Polícias da PSP são activos contribuidores para um sem número de missões de paz e restabelecimento da ordem desde que nos lembramos. Foi assim na guerra do Ultramar, na Croácia e Bósnia Herzegovina, em 1992, em Timor-Leste, em 1998, e continua a ser assim em inúmeras missões de paz encabeçadas pelas Nações Unidas, pela NATO e pela União Europeia nos quatro cantos do mundo. Só para que se fique com uma ideia do número, até ao momento, a PSP anunciou que nos últimos 33 anos 1306 Polícias tinham integrado contingentes e teatros de operações internacionais, assumindo e reforçando a sua posição como actor global, e diria, além-fronteiras, na promoção da paz duradoura e estabilidade securitária mundial.
É, pois, ingrato para estes profissionais verem que a sua prestação neste domínio não é reconhecida de igual maneira, sendo-lhes vedados todo o acervo de benefícios que derivam do Estatuto do Antigo Combatente, como se esse estatuto fosse reservado apenas a militares a quem é atribuído o carácter simbólico e honorifico de "Titular do Reconhecimento da Nação". Lembre-se que este estatuto contempla uma série de benefícios, desde logo na atribuição de um complemento especial de pensão cuja variação assenta no tempo acumulado em missões internacionais, isenção de taxas moderadoras, o acesso gratuito ao passe intermodal, entradas gratuitas em monumentos e museus, isenção de propinas no acesso ao ensino, comparticipações maiores em medicamentos, direito de preferência no acesso à habitação pública, entre outros, sendo alguns deles extensíveis também a familiares directos, cônjuge e filhos.
Também aqui o(s) Governo(s) mostram o quanto se preocupa(m) com as Forças de Segurança, não só por respeito ao trabalho intenso, arriscado e profundamente penoso que prestam dentro de fronteiras, mas reconhecê-lo [também] quando o mesmo é prestado, de forma amplamente prestigiante e reconhecida, fora delas. Aliás, não deixa de ser curioso, e ao mesmo tempo certificador do nosso argumento, que os Polícias da PSP e militares da GNR sejam contemplados, na mesma medida que os militares das Forças Armadas, com um suplemento de missão sempre que enquadrados em missões de paz e humanitárias - cf. Decreto-Lei 233/96, de 07 de Dezembro e Portaria 792/2000, de 20 de Setembro - sendo tratados, a este nível, de forma totalmente paritária, e depois não o sejam na aplicação do regime do Antigo Combatente.
Esta é uma injustiça que tem que ser corrigida e que passa por um alargamento subjectivo expresso do âmbito de aplicação do regime, porque de elementar justiça, aos Polícias da PSP. Lembrando a célebre frase de Montesquieu "A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos". Deixemo-nos de "ameaçar" quem tanto dá a Portugal e ao Mundo.