Hoje é o dia mundial da nossa casa. Creio que é assim que devemos entender um Dia Mundial do Meio Ambiente.
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É onde vivemos, é onde vamos buscar tudo aquilo de que necessitamos. Vamos-lhe retirando tudo, com toda a sede ao pote, como a sabedoria popular tão bem nos diz.
As alterações climáticas já não são problema para o futuro. Por todo o Norte e Centro interior de Portugal, os agricultores preocupam-se com trovoadas persistentes e chuvadas de granizo que podem destruir as colheitas de cereja, este fruto tão frágil quanto saboroso e tão importante para a economia dos seus locais.
Ao mesmo tempo, o Sul do país debate-se com a falta de água, para consumo humano, mas também para regadio e consumo dos animais. Na semana passada, ouvi o testemunho de um criador de gado emocionado porque não tinha alimento e água para dar aos animais. Não tinha alternativa senão proceder ao abate de metade da sua criação agropecuária, para poder conseguir salvar a outra metade, sem que passem fome ou sede. Nem sequer de lucros este criador falava. A voz embargou-se-lhe no sofrimento da fome e sede que os seus animais estavam a passar.
O mesmo Sul do país vai abater milhões de árvores no Alentejo para instalar megacentrais fotovoltaicas, como a Amnistia Internacional hoje alerta, lembrando que a transição energética não pode ser feita à custa do ambiente ou à revelia da população.
Com milhares de terrenos já degradados e áreas artificiais criadas por nós - zonas industriais, telhados, parques de estacionamento, minas ou lixeiras, para citar alguns - e disponíveis para painéis fotovoltaicos, porque precisamos de abater milhões de árvores?
A resposta não é difícil: monopólio e lucros concentrados. A exploração das energias renováveis não pode seguir a mesma lógica usada nos combustíveis fósseis.
Hoje, tome tempo para olhar para a natureza em redor de si. Se tiver uma horta, contemple os alimentos que a Terra e o seu trabalho lhe dão. Se abrir uma torneira, veja a água como um bem precioso.
Enquanto os governos e as empresas não se empenham em soluções sérias e que não criem novos problemas, os direitos das populações e das gerações futuras não serão respeitados.
Repensar a forma de fazer política e as políticas públicas para ter isto em conta seria como as cerejas, deste tempo, no topo do bolo.
*Diretor-executivo da Amnistia Internacional - Portugal