<p>Às vezes, por razões de actualidade, perdemos a oportunidade de escrever sobre determinado assunto. Quando vamos fazê-lo, outro se interpõe e, muitas vezes, deixa-se cair alguma coisa de importante. Ainda bem que isso não me sucedeu com o jornalismo desportivo, tema que hoje posso abordar, depois de, há uma semana, Henrique Monteiro, director do "Expresso", se lhe ter referido, no programa "Prós e Contras", num tom altamente depreciativo. Embalado no calor de uma discussão, Henrique Monteiro caiu no mesmo erro do fascismo, amesquinhando um sector de actividade por onde passaram grandes profissionais.</p>
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É bom recordar que, até à Primavera Marcelista, o regime nunca reconheceu os jornalistas desportivos, vedando-lhes o acesso à carteira profissional. Uma ignomínia! Vítor Santos, Homero Serpa, Carlos Pinhão, Carlos Miranda ou Alfredo Farinha, por sinal todos de "A Bola", foram grandes jornalistas. A profissão não terá tido muitos repórteres da qualidade de Pinhão ou de Carlos Miranda, nem muita gente com a escrita tão limpa como o Homero ou o Farinha; e poucos chefes de Redacção terão suplantado Vítor Santos. Todos eles, figuras maiores da profissão, foram clandestinos durante anos e anos, porque o poder fascista tinha sobre a sua actividade a mesma opinião de Henrique Monteiro: era coisa menor. Devo dizer que comecei na profissão por um jornal desportivo, o "Record", e que por lá encontrei alguns bons profissionais. E, sobretudo, numa altura em que não havia escolas de jornalismo, os jornais desportivos eram as grandes salas de aula, praticavam um jornalismo mais próximo das pessoas e dos acontecimentos, cultivavam todos os géneros, da reportagem à crónica e à entrevista, também porque, naturalmente, a censura não era tão atenta como acontecia com os jornais de informação geral.
A forma como Henrique Monteiro se referiu a João Marcelino, director do DN, com largos anos passados à frente do "Record", foi duplamente infeliz; primeiro porque caiu no mesmo erro do fascismo, e depois porque mostrou a que nível pode baixar uma discussão, o que é grave quando a responsabilidade cabe a um profissional de informação.
Se esse episódio deu uma triste imagem dos jornalistas - e, infelizmente, todo aquele programa foi um equívoco -, a verdade é que os dias que correm não vão de feição para os jornais. Um professor norte-americano, falando ontem numa conferência da ERC, prenunciava o fim dos jornais de papel para um médio prazo de 15 anos. Na assistência, maioritariamente constituída por estudantes aspirantes a um lugar na profissão, a notícia terá causado algum calafrio. É preciso, porém, dizer-lhes que, apesar de alguns maus jornalistas e de algum mau jornalismo, apesar de o negócio estar em crise profunda e ver fugir inapelavelmente as receitas publicitárias, o jornalismo não morrerá. Tem é de encontrar outro paradigma.