Matilde Sampaio tem 11 anos, é invisual e frequenta uma escola, em Mirandela, incluída na rede de referência criada pelo Estado para a inclusão de alunos cegos e com baixa visão. Apesar disso, está desde o início do ano sem professor de braille. Razões processuais são a explicação avançada pelo secretário de Estado da Educação, que esta semana reconheceu, à margem de um evento precisamente em Mirandela, não ser aceitável a situação desta aluna de mérito.
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Tal como no apoio a alunos com necessidades educativas especiais, falhamos em muitas promessas de construção de uma sociedade mais justa e equitativa. A Estratégia Nacional para a Inclusão de Pessoas com deficiência deixou pelo caminho quase todas as metas para o último ano e a maioria destes cidadãos não tem acesso ao subsídio para a inclusão. Prometida, quando foi criada, como medida universal, esta prestação tornou-se um instrumento de combate à pobreza e chega apenas a quem quase não tem rendimentos. Intervenções que deveriam ser rápidas e desburocratizadas, como adaptar um veículo, tornam-se por vezes calvários de requerimentos e indeferimentos.
Recentemente estive em Águeda a participar na oferta de uma bicicleta a um jovem com deficiência, uma promessa feita durante o 31.º Grande Prémio de Ciclismo JN. Ao ver a alegria vibrante do jovem enquanto experimentava a bicicleta, não consegui deixar de sentir uma desconfortável sensação de imperfeição. Não que o sorriso do Herculano não fosse genuíno, mas acaba por ser inquietante que nos contentemos com pequenas intervenções, quando é tão vasto o mar de necessidades e de desigualdades sociais.
É clássica a referência à brandura que caracteriza este retângulo à beira-mar plantado. Eu própria gosto de defender a insistência e a suavidade como vias para uma transformação atenta ao outro, mas questiono-me por vezes se não deveríamos ter, enquanto cidadãos ativos e politicamente interventivos, um maior sentido de urgência e de exigência. Talvez só assim fossem ultrapassados problemas que, como reconhecem os governantes responsáveis por os resolver, são inaceitáveis. Tão inaceitáveis que nos diminuem coletivamente.
*Diretora