1. Muito foi dito sobre os primeiros cem dias da governação de Pedro Passos Coelho. Conforme os quadrantes políticos, foram sublinhadas as suas virtudes e os seus defeitos, e foram feitos comentários, muitos deles pertinentes, acerca da política de comunicação com o país. Creio, no entanto, que ficou por lembrar, ou pelo menos de tomar o devido relevo e importância, a correcção com que o Governo, e em particular o seu líder, tem pautado a sua relação com o Parlamento e com a oposição. Reconhecendo as dúvidas, assumindo as responsabilidades, respondendo com elevação às críticas, Passos Coelho introduziu um novo estilo de fazer política, também usado pelos seus ministros que notoriamente se esforçam por evitar crispações. E reconheça-se também que o PS, pela voz de António José Seguro, tem optado por essa moderação, sem no entanto deixar de assumir a posição crítica que seria razoável esperar.
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Também nesse sentido foram curiosas as palavras de Mário Soares ao elogiar o discurso presidencial de 5 de Outubro. Soares apreciou, como se compreende, os apelos do seu sucessor ao reforço do republicanismo, o que me parece um aspecto menor do discurso. O mais relevante entendo ser antes o elogio em si, na sua intenção de apaziguar velhas querelas, e grandes tensões.
Esta mudança profunda na forma de fazer política é determinante para requalificar a imagem dos nossos políticos e dos nossos governantes, aos olhos da população em geral. Num tempo em que a angústia é latente em todos os sectores da sociedade a contenção, e porque não dizê-lo, a boa educação, são factores que permitem atenuar as crispações, contribuindo de forma importantíssima para a regeneração do nosso sistema político e da nossa democracia representativa, que mostra sinais evidentes de desgaste.
Não se espera, nem se deseja, que forças políticas falem em uníssono. A saída da crise não impõe, felizmente, a suspensão da democracia. A discussão é útil e desejável, se for exercida dentro dos parâmetros desejáveis. Mas a elevação do discurso político no exercício do contraditório é, seguramente, um dos factos mais relevantes dos últimos cem dias, apesar do triste espectáculo da Comissão de Economia a que assistimos na passada sexta-feira.
2. Numa altura em que a Europa se prepara para tomar importantes decisões para o seu futuro, e no final de uma semana em que as bolsas europeias recuperaram das perdas de dias anteriores, a Moody's apareceu a baixar o "rating" de nove bancos portugueses. As agências continuam, assim, a fustigar países e empresas europeias, enquanto os masoquistas europeus insistem em contratar os seus serviços. Como já assinalei nesta coluna, há uma diferença de tratamento evidente entre a forma como avaliam o que se passa nos Estados Unidos e o que se passa na Europa. Claro que as agências de "rating" reclamam a seu favor que só reflectem o sentimento dos mercados mas, como já se percebeu, a sua opinião condiciona, também, o comportamento desses mercados. Por outro lado, conhece-se a relação íntima entre a banca americana e essas agências.
O que quer dizer que é lícito suspeitar que a forma como influenciam os mercados, através das suas profecias, decorre directamente dos interesses dos seus accionistas ou, pelo menos, que as suas análises não são isentas, porque têm um impacto directo na prossecução desses interesses. Parece pois razoável questionar se as agências não estarão a infringir as leis vigentes, e gostaria de saber o que sucedeu à queixa apresentada por José Reis, José Manuel Pureza e outros economistas da Universidade de Coimbra.
Sabe-se que o Ministério Público decidiu abrir inquérito, o que significa que não houve arquivamento liminar, conhecem-se as declarações públicas do procurador-geral da República a reconhecer prioridade a este inquérito de grande complexidade. Ignora-se, no entanto, se tudo ficará na gaveta. É pena se assim acontecer, porque a lei que se aplica às sardinhas nacionais devia-se aplicar, também, aos tubarões internacionais.