"Tudo na cidade está à venda", disse Péricles no século V a. C..
O fenómeno da corrupção é antigo e uma das características da natureza humana. É um problema que faz parte da nossa história e ao qual está vulnerável qualquer país, regime político ou instituição. Já existia antes mesmo dos filósofos da Grécia Antiga o transformarem num conceito e o estudarem, pela sua relação com o exercício do poder no desempenho de funções públicas.
No entanto, esta convivência secular com o fenómeno da corrupção não torna o seu combate menos prioritário. Antes pelo contrário. À medida que se aproxima o início da execução do Plano de Recuperação e Resiliência, é fundamental assegurar transparência e capacidade de monitorização no seu uso.
A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção aprovada recentemente pelo Governo, para além da introdução da "delação premiada", alega uma forte aposta na dimensão da prevenção. Uma das principais medidas propostas passa pela abordagem do tema no contexto escolar, na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Porém, quando nove em cada 10 portugueses acreditam que a corrupção está disseminada na sociedade, seriam de esperar medidas de prevenção mais imediatas e concretas. Não podemos esperar décadas por melhores resultados.
Não coloco em causa a boa-fé na elaboração da estratégia. Todos os partidos políticos "querem" combater a corrupção e todos concordamos na necessidade de revisão do quadro legal. Mas, em pleno século XXI, seria de esperar que a digitalização adquirisse um papel de maior relevo, sobretudo para que sejam reduzidos os contextos facilitadores da corrupção. Na perspetiva do Governo, uma das maiores vantagens da digitalização está na "eliminação da necessidade de deslocação dos cidadãos aos serviços" e a digitalização "pode contribuir para a redução das oportunidades de abordagens impróprias e de práticas corruptivas", mas há muito mais por fazer. A transição digital, em particular a big data e a inteligência artificial, pode levar-nos muito mais longe no combate à corrupção do que esperar por uma geração que lhe seja menos permeável. Precisamos de aumentar a transparência da informação e reduzir a burocracia, e as entidades e poderes intermédios que fomentam, a "pequena corrupção", através de favores, "jeitinhos" ou promessas.
Mesmo se a história nos mostra que a corrupção faz parte da natureza humana, uma estratégia séria não é compatível com uma sensação de impunidade perante a justiça.
*Eurodeputada do PSD
