Estratégia e objetivos claros: uma fórmula de sucesso para as ULS
A disseminação das Unidades Locais de Saúde (ULS) tem como objetivo primordial a integração dos cuidados hospitalares e dos cuidados de saúde primários, devidamente articulada com a região que serve. Daqui advêm vantagens do ponto de vista de gestão, com a otimização dos recursos disponíveis, bem como do ponto de vista clínico, com a criação de oportunidades de otimização das jornadas dos doentes, com maior colaboração entre diferentes especialidades médicas e profissões. Aliás, o aumento do trabalho próximo e interdependente entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos, serviço social, nutricionistas, entre outros, é fulcral para a interação de cuidados e melhoria dos percursos assistenciais.
Este ímpeto das ULS deve assim ser transmitido dentro da organização, aos vários níveis, de forma estruturada e articulada, através da definição e comunicação dos seus objetivos estratégicos. A ligação à comunidade que serve, em particular às especificidades que apresenta, deve também ser incluída nesta estratégia, pois só assim se poderá otimizar o próprio mecanismo de financiamento da ULS.
No entanto, se perguntarmos à maioria dos profissionais de saúde quais são os objetivos da instituição onde trabalham, o mais provável é que poucos (ou nenhuns) os saibam referir. Até mesmo dos próprios serviços onde trabalham. A função dos Conselhos de Administração (CA), de forma articulada com as Direções de Serviço (clínicas e de suporte), passa por organizar essa atividade dentro da instituição, preferencialmente envolvendo os colaboradores nesta discussão e definição de prioridades para um espaço de tempo de 3 a 5 anos, que devem assumir-se como a força motriz e o fio guia do que acontece todos os dias.
É claro que em todas as ULS vão existir consultas, cirurgias e internamentos. Mas qual é o plano global, quais são os objetivos que estas atividades pretendem atingir, e qual é a relevância desta atividade para a comunidade específica que serve?
Assim, é urgente tornar mais concreto e palpável o que se pretende atingir com esta nova organização, em particular naquilo que procura trazer de novo no que respeita à integração dos diferentes níveis de cuidados e à valorização do doente e da comunidade:
· Como pode a ULS facilitar, por exemplo, a acessibilidade dos doentes?
· Desmultiplicar serviços para serem mais próximos da comunidade, como por exemplo as colheitas sanguíneas ou exames de diagnóstico?
· Como fortalecer a componente de prevenção e estilos de vida saudáveis, tais como destacar nos cuidados de saúde primários serviços de nutrição ou psicologia
articulados com unidades funcionais cujas patologias mais beneficiam destas medidas?
· Como criar vias de atendimento personalizadas, em função das necessidades de um grupo específico de doentes, tais como os doentes com hipertensão, criando um contínuo entre estruturas da comunidade, centros de saúde e hospitais?
· Que patologias se apresentam como críticas numa determinada ULS, e como se espera abordá-las, devidamente articuladas com os planos municipais de saúde?
· Como pode a Saúde Pública colaborar com os prestadores de cuidados no diagnóstico e aconselhamento das medidas a implementar?
Estes são exemplos de questões que podem ser colocadas, com uma tónica estratégica, na definição dos objetivos das ULS. São exemplos de questões, entre muitas outras, que ajudarão a pensar sobre o que é que realmente limita o acesso, compromete os diagnósticos e tratamentos, e prejudica os resultados em saúde. Irão levantar o véu sobre o que está à distância de ser resolvido (ou melhorado!) com base numa mudança de organização, sem implicar necessariamente custos ou recursos excessivos.
A visão estratégica, com objetivos focados neste tipo de ganhos, ao invés da mera resolução de problemas imediatos, difundida aos vários níveis das ULS, ajudarão a abrir as portas do futuro da saúde. Uma visão estratégica que combine os corpos de gestão e clínicos e que questione “porque é que ainda se faz assim, e porque não se faz diferente?”, com vista à melhoria dos problemas e aproveitamento de oportunidades que vemos todos os dias.
Como podemos passar da teoria à prática, ou seja, como desenvolver os objetivos estratégicos para cada ULS e garantir que estes são devidamente conhecidos por toda a organização?
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que este processo tem de ser devidamente estruturado e dispor de recursos para que seja bem feito. É fundamental que cada CA desenhe e defina o seu processo de planeamento e alinhamento estratégico, que inclua pelo menos: quem será ouvido e quem terá influência na decisão dos objetivos, como é que estes irão ser comunicados aos diferentes níveis da organização, como será a desmultiplicação destes objetivos para cada serviço e como será feito o processo de acompanhamento e monitorização ao longo do tempo.
O processo inicia-se pela definição clara das metas estratégicas que se pretendem alcançar. Esta etapa poderá restringir-se ao CA ou envolver, formalmente e informalmente, elementos-chave nas organizações, através de momentos de auscultação dos serviços e profissionais.
Apesar de formulários e questionários serem uma forma massificada de obter informação, peca por ser distante. A dinamização de atividades, mesmo que setorizadas dentro da ULS, que visem ouvir os profissionais, envolvê-los na priorização de problemas e soluções e criação de sugestões de iniciativas é fulcral. Além disso, a implementação de iniciativas que coloquem os profissionais a falar e a comunicar com outros profissionais que abordam os mesmos problemas terá a vantagem de promover a colaboração e a partilha de boas práticas.
Os objetivos estratégicos para a ULS só podem funcionar como força motriz quando devidamente desmultiplicados e adaptados a cada um dos serviços e departamentos que compõem a organização. Para isso, é preciso capacitar e apoiar cada uma das lideranças intermédias no estabelecimento das metas estratégicas para os Serviços, alinhadas com as metas do CA, com vista à solidificação de um plano comum, com o respetivo plano de acompanhamento e avaliação.
É tempo das ULS e dos seus órgãos de gestão destacarem tempo, elementos e recursos ao desenvolvimento estratégico das instituições e distanciarem-se da asfixia da resolução dos problemas imediatos, caminhando para a criação de projetos e soluções que façam as ULS crescer.
É este o desafio da definição de objetivos da ULS: como podemos definir metas alcançáveis, tangíveis e que sejam reconhecidas por quem trabalha e por quem recebe cuidados, que ajudem a motivar e capitalizar o conhecimento e know how internos, para promover novas abordagens centrada nos doentes e na comunidade.

