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O"Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018" (DEO) tem a maior importância. Sobretudo, porque este DEO surge a par e passo da saída limpa do programa da troika. Li o DEO e apraz-me dizer que é um texto cuidado, bem escrito, abundante de informação.
Quase tudo?
Encontrei "quase tudo" o que poderia esperar num documento de política orçamental aplicada, condicionada e de longa previsão, como o DEO é. E visando prosseguir, como o DEO visa, o reajustamento estrutural de um Estado ainda ferido pela insustentabilidade (adequar fins aos meios) e ainda ameaçado pela insolvência (honrar passivos).
Dentro do "quase tudo", que lá está, tenho discordâncias, como é natural. Algumas são de fundo, já as veremos. Mas antes, há um ponto fundamental que está fora do DEO: a reforma estrutural do Estado (RE), das suas funções e dos seus regimes. É uma omissão inadmissível, por causa da tal sustentabilidade e da tal solvência, que são razões sistémicas. Bem procurei um dedicado e exclusivo capítulo que explicitasse e quantificasse pontes entre o tão abrangente DEO e o tão cantado "guião" da RE. Em vão. Há no DEO diversas reformas sectoriais (pg. 20/4, 67/76, etc.), há mesmo elencos de "reformlets", mas nada que se eleve ao nível da RE. No DEO, o grande Reformador remete-se ao ostracismo.
Tribunal Constitucional...
O DEO não se confunde com a RE, porém o DEO não deve alhear-se dela, nem vejo como a possa dispensar. Deixem-me repetir e interpelar: como é possível ter uma estratégia quinquenal para as despesas do Estado e não ter uma estratégia para a RE? Mas então, na situação a que chegámos, as coisas não são interdependentes?
Receio que estejamos caídos no seio de uma política evasiva, talvez arguciosa, provavelmente pouco resultante. Alinhando nisto, algumas das medidas do DEO poderão esbarrar, de novo, em embargos do Tribunal Constitucional. Não fez este saber que poderá desembargar se houver uma RE (facto que, portanto, valoriza)? Deste ponto de vista, a "estratégia orçamental" não me parece segura.
Estrutural e tendencial...
O DEO lida com as regras europeias e as projecções orçamentais e inscreve-as, e bem, em termos estruturais e tendenciais: alisam-se as fases do ciclo, excluem-se as medidas pontuais, relevam-se os factores permanentes e traça-se a tendência supra-anual (pg. 28). O modo de medir o que é estrutural e tendencial não é pacífico, a própria UE o reconhece, mas aqui interessa-me assinalar o sentido estratégico que o DEO aponta, mais do que discutir a complexidade dos conceitos. O PIB projectado cresce todos os anos, com taxas reais progressivas entre 1,2% e 1,8%; em 2016 recuperará o nível de 2011. Os saldos e a dívida parecem evoluir regradamente e em 2017 a "regra de ouro" estará cumprida (ver tabela, excertos das pg. 35 e 63). Contudo...
Suportável?
Vejamos o lado da despesa estrutural. Se me pusessem no lugar dos credores da República, não sei como poderia aceitar uma estratégia de expansão da despesa estrutural num país que mantém sérios problemas de sustentabilidade. A despesa primária estrutural (sem juros) passa de 41,3% do PIB em 2013 para 39% em 2018. O rácio desce somente 2,3 pontos em 6 anos e aquela despesa cresce sempre, em termos nominais. Defendi e defendo que, em vez de crescer, a despesa tem de diminuir no quadro de uma RE.
Vejamos o lado da receita estrutural. Se, de novo, me pusessem no lugar dos credores, não sei como poderia aceitar uma estratégia de expansão da cargafiscal estrutural num país que mantém sérios problemas de competitividade. A receita total estrutural (carga fiscal e pouco mais) passa de 42,8% do PIB em 2013 para 43% em 2018. O rácio não desce em 6 anos, anda ali a flutuar, e a receita sobe sempre. Defendi e defendo que, em vez de estacionar, a carga fiscal estrutural tem de diminuir. Tenhamos bem presente: Portugal é já o segundo país de mais severo esforço fiscal em 17 países da Zona Euro!
De ambos os lados, despesa e receita, o DEO esbarra na insuportabilidade. Também deste ponto de vista, a "estratégia orçamental" não me parece segura.