A característica maledicência dos portugueses é impenetrável numa área: a produção de estudos. Sim, o país pode até ser um poço de defeitos mas não se pode lamuriar de praticamente todos os estrangulamentos, dos mais sofisticados aos identificados a olho nu, não terem sido já detetados e alvo de propostas de solução, normalmente através de pomposos dossiês intitulados de Livro Branco e aos quais se dedicam muitos especialistas - até em sacar mais uns cobres ao Estado.
Corpo do artigo
Os cenários podem ser pretos, muito pretos, mas há um livro branco de quase tudo. O que pressupõe uma de duas coisas: ou uma propensão geral de sadomasoquismo (também já estudado) ou incapacidade para levar a prosápia à prática.
Exemplos?
Fiquemos por um: o dos fogos florestais.
O país vive há demasiados anos um cenário de destruição de pessoas e bens - incluindo o paisagístico. E há demasiados anos as razões das tragédias estão diagnosticadas em múltiplos estudos e inconsequentes propostas de solução. O país faz elogios justificadíssimos à coragem de corporações de bombeiros cujas condições de trabalho se degradam na proporção direta da falta de capacidade financeira mas fica-se só por aí; a reversão dos cenários é quase nula.
O cardápio de razões para a existência de fogos florestais em catadupa é suficientemente conhecido. Conjuga a insuficiência da vigilância florestal à negociata de terrenos, madeiras, produtos destinados ao combate ao fogo; passa pela mentalidade tacanha de vinganças entre vizinhos rivais e comportamentos negligentes; agrega, enfim, a ineficácia da obrigatoriedade de limpeza de matas e áreas circundantes a habitações plantadas em plenos pulmões arbóreos e uma legislação demasiado inofensiva para incendiários criminosos e a soldo dos mais obscuros interesses. E daí?
O ciclo repetitivo de denuncia das causas para o empobrecimento geral do país tem pouquíssimos resultados. Não obstante a acumulação de prejuízos - o JN deu conta de só até anteontem já se contabilizarem efeitos nocivos da ordem dos 62 milhões de euros na atual época de fogos - apenas pelo endurecimento de todas as políticas de combate às hipóteses de incêndios será possível reverter o atual esquema de destruição do património nacional.
Na impossibilidade de os índices civilizacionais do país se alterarem numa ou duas gerações, também neste domínio dos incêndios é urgente passar da fase teórica a uma prática de combate exigente.
Afinal nem sequer o facto de sermos um país marcado pela raridade de as florestas serem alvo de incêndios na frescura das madrugadas nos dá alguma vantagem qualitativa....