De repente acordei para este tema da coadoção por casais do mesmo sexo. E nem tempo tive de formular uma opinião tal foi o ruído sobre a hipótese de o assunto vir a ser resolvido por referendo. Ao ler o inteligente artigo da deputada Isabel Moreira no "Público" fiquei preocupada. Eu, que julgo ser uma cidadã atenta, tinha deixado passar ao lado um sério trabalho e, pelos vistos, uma ampla discussão pública sobre este assunto.
Corpo do artigo
A deputada Isabel Moreira parece ter razão quando escreve que há um ataque à ética parlamentar por parte dos partidos que votarão a favor da realização de um referendo sobre este tema. Pelos vistos, os pressupostos não foram nunca estes ao longo dos trabalhos da comissão parlamentar e ainda por cima poderão aduzir--se no mínimo imperfeições formais ao processo quanto aos timings e aos temas a questionar.
Por outro lado, refere a deputada, as várias consultas e evoluções reflexivas sobre o tema foram sempre disponibilizadas online para melhor conhecimento e discussão pública.
E também é certo que o povo ainda não se insurgiu contra uma democracia que se diz representativa com epicentro no Parlamento.
Mas os seus protagonistas devem, em minha opinião, ter uma noção viva da perceção da sua legitimidade e da respetiva eficácia.
De que me vale ser formalmente o representante de um povo se o povo não me crê ou não me ouve? Ou se me ouve não me entende? Por outro lado, que perda de legitimidade e de representatividade pode haver ao devolver ao povo, fonte dessa legitimidade e representatividade, a responsabilidade direta por determinada escolha?
A deputada Isabel Moreira não pode assumir que um referendo é uma arma demagógica contra a proteção dos interesses de minorias. A livre expressão direta da vontade de um povo não pode nunca ser desvalorizada nem sequer subalternizada em relação à sua expressão representativa.
É que, a propósito deste tema como de outros, não chega a partilha dos documentos e das discussões online.
Portugal, segundo dados recentes da União Internacional de Telecomunicações, está na cauda da Europa em termos de ligações à Internet, ocupando o 27.° dos 37 lugares possíveis, o que torna opaca e na prática inacessível a informação disponibilizada por esta via.
Se a recolha de informação e a discussão foi tão aberta e diversificada como a deputada Isabel Moreira invoca, então o resultado do referendo seguramente reforçará a posição construída. Os portugueses sabem o que querem e não são o povo manipulável e retrógrado que se faz intuir.
Tentemos todos defender e enriquecer a nossa democracia, as nossas instituições e as nossas decisões coletivas. Basta-nos a realidade triste da democracia parlamentar europeia para descrermos na eficácia e até na legitimidade das instituições.
Tomemos como exemplo as intervenções dos nossos deputados no Parlamento Europeu e as respostas que conseguem.
A última a que tive acesso mostrava a intervenção da eurodeputada Elisa Ferreira a questionar o comissário Olli Rehn na sessão plenária de 13/01/2014.
Elisa Ferreira perguntou com legitimidade e com que base democrática o comissário se teria pronunciado sobre as decisões do Tribunal Constitucional português, com que legitimidade tinha sido imposta a Portugal a venda de ativos estratégicos durante uma crise (desvalorizando de imediato o valor do negócio pela precisão de fundos) e, por último, por que é que os pensionistas têm sido acionados sempre à frente de outros credores do Estado. Perguntou, inclusivamente, se o comissário estaria disponível para abdicar de 40% da sua pensão em 15 anos se nessa altura a CE tivesse problemas orçamentais.
O comissário não respondeu. Elisa relembrou as perguntas no final e o comissário desculpou-se com a rapidez do discurso de Elisa e a subsequente "loss in translation". À repetição já diretamente feita em Inglês pela eurodeputada, o comissário respondeu que a troika não era perfeita mas era melhor do que nada e que todo o resto era da responsabilidade do Estado-membro, que por eles, troika, poderia ter sido assim ou de outra maneira qualquer!