A greve é um daqueles instrumentos essenciais ao exercício da Democracia com os quais não me comovo em excesso. Não ponho em causa o uso deste direito, mas ponho em causa o abuso deste direito, sobretudo quando ele é utilizado pelos sindicatos que há muito tomaram de assalto o sistema educativo português. A culpa, claro, não é deles: é de quem permitiu que os líderes sindicais sejam mais ministros da Educação do que os verdadeiros ministros da Educação.
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Sucede que, no caso da greve aos exames, que ontem marcou o noticiário do país, os professores não se fizeram de vítimas: fizeram greve porque são vítimas da loucura governamental que ataca tudo o que mexe. Ele é a mobilidade especial; ele é a mobilidade geográfica; ele é o aumento das horas de trabalho; ele é a carga horária; ele é o corte nas remunerações; ele é, enfim, o espetro do desemprego. São variáveis a mais e ao mesmo tempo que, por junto, inviabilizam qualquer clima de estabilidade num sistema que dela precisa como de pão para a boca.
Portanto: ponderados os valores (por um lado, a greve afeta os alunos e as famílias, tornando-os reféns da aselhice alheia; por outro lado, a greve dá força aos sindicatos e retira-a a quem deve comandar o "processo"), no caso parece evidente que, apesar dos danos e transtornos causados aos estudantes, justifica-se a prevalência das razões que assistem aos docentes.
Os números da adesão valem o que valem, na medida em que não existe um sistema rigoroso de aferição e controlo. Os sindicatos atiram sempre para cima, os governos apontam sempre para baixo. O que a meu ver vale são duas coisas essenciais.
Primeiro: não é possível (ou melhor, é muito indesejável) que, num setor tão decisivo para o futuro do país como a Educação, o debate e a troca de argumentos entre os atores chegue a um ponto em que ninguém sabe quem está a mentir e quem não está. Esse é o ponto da degradação total da relação entre os responsáveis do setor, é o grau zero da discussão. Quando um ministro que supostamente deve tratar da comunicação política do Governo atira para o ar uma acusação que a seguir não consegue provar, como fez Poiares Maduro a propósito de uma alegada proposta para pacificar as hostes com uma nova data para a realização de exames, está tudo dito quanto ao tipo de comando deste Governo. Claro: sindicalistas experientes como Mário Nogueira apanham a deixa e sugam-lhe todo o sangue, numa demonstração evidente de que em tempo de guerra não se limpam armas.
Segundo ponto: enquanto a escola pública for centralmente dirigida, num sistema que castra a livre escolha da família, nada disto se resolverá. Também aqui a proximidade e a responsabilidade são trunfos para alterar esse maldito sistema.