Mas gostava de ser. Apesar de muita gente se ter dito Marega, com a melhor das intenções, a maioria de nós não consegue sê-lo. E nem me refiro àquela incrível capacidade atlética que o faz desgastar as defesas adversárias sem se desgastar. Falo da capacidade de reação.
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Eu acho que não sou Marega porque não sei se faria o mesmo (na verdade sei que não faria, pois se nem tenho coragem de mandar um prato para trás no restaurante!). São muitas as ocasiões que desperdiçamos, todos os dias, de fazer alguma coisa, quando assistimos a comportamentos destes. Não quero com isto dizer que precisamos de uma Conceição Lino e um "E se fosse consigo?" em cada esquina, mas muitas vezes podia ser de facto connosco, mesmo quando é com outro qualquer.
Acredito que nas bancadas do Estádio D. Afonso Henriques, como em tantas outras pelo país (não nos iludamos, acontece infelizmente em todo o lado, se fosse só em Guimarães era usar um método de isolamento tipo Wuhan), houvesse muita gente a achar lamentável aquele comportamento. Mas ninguém interfere, o que vai revestindo estas atitudes primitivas de uma certa normalidade. Acontece sempre, toda a gente vê e ouve (menos o presidente do Vitória), ninguém faz nada, por isso é natural. É mais um fim de semana.
O futebol tem este problema, de ter tornado normais atitudes que fora de um estádio seriam inaceitáveis. Chamar filho da p... ao guarda-redes ou ao árbitro são coisas que já parecem quase educadas. Palavras que, de tão repetidas, perderam o seu significado original. Ninguém está de facto a ofender as mães daqueles profissionais, estão só a repetir uma tradição (boçal). Não proponho que criemos agora uma claque de seminaristas como a que os Gato Fedorento formaram há uns anos, mas também não aceito que haja claques do F. C. Porto a desejar que o avião da Chapecoense fosse do Benfica, claques do Sporting a entoar cânticos anti-Eusébio ou "grupos organizados de adeptos" do Benfica a imitar o som do very-light, numa alusão ao adepto do Sporting assassinado no Jamor.
São coisas de um mau gosto atroz, que todos devíamos censurar, em vez de perder tempo naquela espécie de concurso nacional que é "a minha claque é melhor que a tua", e em vez de continuarmos a insistir na ideia de que os grandes responsáveis pelo ódio no futebol são aqueles programas meio patetas em que adeptos dos três grandes entram em picardias a respeito de foras de jogo. Se há pessoas que, por verem três tipos aos gritos, e um moderador às aranhas, decidem levar bastões para os jogos, atirar tochas para o relvado ou atropelar adversários, não podem simplesmente estar em liberdade, ou pelo menos não podem ter Meo em casa. Faz-me lembrar aquela explicação simplista que ligava os videojogos à violência nas escolas.
Parece que estamos sempre à procura de um responsável, que nos desresponsabilize a nós. A culpa é de todos. É também minha, e de todas as pessoas aparentemente sensatas, que não interferem quando veem diante dos seus olhos uma situação de racismo, seja num autocarro ou num estádio. E se em vez de perdermos tempo a discutir se Portugal (essa entidade abstrata) é racista, o investíssemos a tentar chamar à razão o adepto que tem lugar cativo ao lado do nosso? E que grita "preto do c..." cada vez que o Marega falha um passe? Há tanta coisa para criticar no Marega, para quê escolher a cor da pele? Critiquem-lhe as receções mal orientadas!
Pinto da Costa disse que aquilo que se passou em Guimarães, mais do que racismo, foi prova de estupidez. E de facto o racismo no futebol é especialmente estúpido. Ainda mais que o outro, já bastante idiota. É que no futebol é um racismo seletivo. Insultam-se os pretos da outra equipa, enquanto se aplaudem os golos dos pretos que jogam na nossa. O racismo é só mais uma arma de arremesso, num campo em que se assumiu que vale tudo. Talvez não valha. A derradeira prova desta estupidez é que estes "adeptos", com os seus guinchos de macaco, querem que um atleta se sinta mal por ser de uma raça alegadamente inferior e primária. Imagino estes tipos no dia seguinte, no trabalho: "então, o que fizeste domingo à tarde? Estive com uns amigos a imitar sons de macaco num estádio, e a atirar cadeiras para o relvado. Nós, caucasianos, somos de facto intelectualmente superiores!".
Humorista