Europa, diz-me de onde vem o dinheiro e dir-te-ei quanto quero
Ainda não foi na semana passada que a União Europeia conseguiu um acordo quanto aos montantes e princípios fundamentais do seu orçamento para os próximos sete anos.
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Entre a exigência dos estados "frugais" em limitar a despesa europeia a 1% do PIB e a defesa de, pelo menos mais duas décimas, pelos países amigos da coesão vai uma enorme distância que resulta da resistência de uns em contribuir mais (face à saída do Reino Unido) e a oposição dos outros (Portugal incluindo) à perda de fundos para a coesão.
Esta dificuldade não é nova. Continuamos a batalhar com ela, mas pouco se fez para resolver aquilo que a explica: o facto do orçamento europeu depender, sobretudo, de transferências dos orçamentos nacionais. Isto cria um jogo de soma zero, em que o processo de integração europeia é "visto" oferecendo a um o que tira a outro. Cada Estado compara o que transfere com o que espera receber orçamento europeu, ignorando que a integração económica europeia cria para todos os estados uma riqueza muito superior à sua contribuição para o orçamento.
É por isto que defendo há muito um orçamento assente em recursos próprios da União, que resultem recursos próprios associados a atividades que só podem ser eficazmente tributadas a nível europeu. A União Europeia distribuiria, assim, o seu próprio dinheiro e não o dinheiro dos estados-membros e corrigiria injustiças fiscais a nível nacional.
Foi para testar esta hipótese que, no meu Instituto em Florença, em conjunto com um centro de sondagens (YouGov), realizámos um estudo em 10 estados-membros com dois conjuntos de perguntas quanto à forma de financiamento da União Europeia. Primeiro perguntávamos se os cidadãos nesses estados defendiam mais fundos para a União Europeia ou para o seu Estado. Nos países do Sul (beneficiários líquidos do orçamento) a preferência é para dar mais fundos à União, nos países do Norte (os contribuintes líquidos) é o contrário (com a exceção da Alemanha). Esta divisão Norte/Sul desaparece quando mudamos a questão para saber se defendem um novo recurso próprio da União Europeia, resultante de um imposto sobre as empresas digitais, financeiras ou as emissões de CO2. Os resultados revelam largas maiorias, em todos os estados, a favor de mais recursos financeiros para a União Europeia. Isto confirma como um debate sério sobre o orçamento europeu está dependente da mudança na forma do seu financiamento. Diga-se que Portugal tem tido (quer com Passos Coelho quer com António Costa) uma posição consistente de apoio a esta mudança. Muitos reconhecem hoje na Europa a necessidade da mesma, mas poucos querem assumir o risco político inicial desta mudança. Paradoxalmente, o atual impasse poder ser o incentivo necessário para dar esse passo. O que já foi impronunciável, tornou-se impossível e, agora, apenas muito difícil...
Professor universitário