Europeias, Parlamento e televisões
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Aeleição para o Parlamento Europeu está aí à porta. Como habitualmente, o país tropeça em mais uma polémica, outro daqueles desleixos a que os nossos parlamentares já nos habituaram. Falo da cobertura televisiva da campanha que, ao que parece, pode não acontecer.Nas últimas semanas antes das autárquicas de setembro, colocou-se a questão do tratamento igualitário das candidaturas, independentemente da sua dimensão ou relevância. Perante uma interpretação retrógrada da Comissão Nacional de Eleições (CNE), as principais estações de televisão recusaram-se a fazer a cobertura da campanha por várias razões: porque se reservam o direito de seguir critérios editoriais, porque não têm recursos para seguir a enorme quantidade de candidatos e iniciativas e porque não dispõem de espaço para reportar todos os acontecimentos.
Não era preciso ser muito inteligente para antecipar o regresso da questão. Mantendo-se o enquadramento legal da cobertura das campanhas, que data do distante ano de 1975, a que acresce a interpretação fundamentalista da CNE, seria de esperar que os órgãos de Comunicação Social, nomeadamente as televisões, não alterassem a sua posição. Só os deputados não perceberam, de tão ocupados que estão com as tricas, a retórica e os negócios pessoais, que era preciso agir a tempo e revisitar a lei eleitoral. Acordaram tarde e, ainda por cima, há uma grande probabilidade de nada virem a resolver.
Os projetos de lei do PS e do PSD/PP, cuja votação foi empurrada para a próxima semana, continuam a fugir ao cerne da questão: a liberdade editorial dos órgãos de Comunicação Social, sendo que aqui as televisões são o elemento mais sensível, por razões de recursos e tempo disponível em antena para a cobertura.
Andámos quarenta anos a construir uma sociedade mais livre e mais plural, recuperámos a liberdade de expressão e de imprensa, criámos mecanismos e órgãos reguladores, e agora pretendemos que alguém, supostamente com mandato do Estado, tenha o poder de decidir a relevância e oportunidade de ouvir o candidato A ou o candidato B, substituindo-se aos jornalistas. Não é aceitável. Tal como a democracia tem implícita a noção de responsabilidade, também a pluralidade política e eleitoral tem implícita a noção de liberdade. Liberdade de escolha, liberdade editorial. Os mecanismos de regulação, nesta matéria, não podem nem devem impor o que fazer, competindo-lhes enunciar os princípios e fiscalizar.
O mecanismo de concertação que o PS propõe, envolvendo CNE, ERC, candidaturas e órgãos de comunicação, é a solução "à Parlamento", algo que servirá apenas para cada um se entrincheirar nas suas posições, gerando impasses inultrapassáveis. A proposta do PSD/PP acaba por ser um "restyling" da atual lei, diferenciando apenas os períodos de campanha e de pré-campanha. É bom de ver que não há entusiasmo nem vontade dos partidos para mudar o que quer que seja. Criticam os diretores de informação das televisões pela sua tomada de posição conjunta, mas a verdade é que sem esta pressão nada de substancial se alterará.
Os portugueses descobriram nos últimos tempos que a Europa não é só aquela entidade distante que nos envia dinheiro há 25 anos. Pelo contrário, decide muito da nossa vida, pelo que a agenda europeia é hoje mais crítica que nunca. Não ter cobertura da campanha para as europeias significa estar confortável com o elevado nível de abstenção no ato eleitoral. Significa aceitar de bom grado o facto de quase 60% dos portugueses não saberem o nome de um único eurodeputado português, tal como revela uma sondagem publicada ontem na Imprensa. Significa não dar voz ao debate sério sobre temáticas cruciais para a União e para Portugal, como a união bancária, o papel do Banco Central Europeu ou os mecanismos de solidariedade europeia.
A minha receita para o problema é bem simples. Aos deputados, lanço um apelo para que não estorvem. Escrevam uma lei "curta, viável e que possa ser promulgada pelo presidente da República em tempo útil", para parafrasear José Magalhães. Aos jornalistas, apelo para que façam uso da sua liberdade, recusando espartilhos, mas sem esquecer que as opções editoriais carecem de legibilidade para o cidadão comum.