São poucas as personalidades capazes de gerarem o consenso universal elogioso.De muitos, quase todos, é por norma esquecido o percurso feito de desinteligências e desamores do dia a dia na hora da morte. Cantam-se-lhes odes só porque sim.
Corpo do artigo
Raros são os casos de personagens capazes de adotar comportamentos genericamente apreciados pela sociedade ao longo da vida, transformando em banalidade o enaltecimento de virtudes quando desaparecem deste mundo.
Eusébio da Silva Ferreira integra o lote dos seres humanos de raras virtudes e de quem as palavras louvaminheiras na hora do seu desaparecimento físico não soam a falso.
Pantera Negra. Herói. Bombardeiro. Mítico. Lenda. Imortal.
Nas últimas horas, reativaram-se à escala planetária cognomes e adjetivaram-se as qualidades excecionais de Eusébio. Nada de mais justo.
O enaltecimento das virtudes de Eusébio faz-se em várias matizes, mas todas desembocam em algo de pouco comum numa estrela do futebol: "uma humildade e uma afabilidade invulgares, uma simplicidade daquelas que são verdadeiramente grandes, que nada precisam de exibir", como enfatizou o presidente da República. E desta vez não há como encontrar um ângulo de ataque a Cavaco Silva....
É rigorosamente assim.
Eusébio foi um dos melhores futebolistas de sempre e transformou-se num ícone de Portugal no mundo - para mais, quando ainda estava longe a penetração massiva dos meios audiovisuais. "Morreu um dos maiores símbolos da modalidade. O maior jogador português da sua geração e sobretudo um grande ser humano e um exemplo de fair-play". Na hora de luto do futebol português, a apreciação assinada pelo presidente do F.C. do Porto, Pinto da Costa, é igualmente paradigmática do "segredo" que tornou transversal aos adeptos de todos os clubes nacionais o respeito por um empedernido benfiquista como Eusébio. Uma dimensão igualmente vincada, entre outros, por Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto e portista dos quatro costados, dotado do discernimento para concluir que "gostar de futebol e não gostar de Eusébio não é compatível".
Como também a definiu o presidente da República, a "relação calorosa, de afeto e respeito mútuo" foi uma imagem de marca de Eusébio.
Destrinçar entre razão e coração nem sempre é fácil. Muito menos no futebol, marcado por rivalidades doentias. O modo de ser de Eusébio permitiu, no entanto, relacionamentos sempre civilizados. E deve permanecer como uma lição de vida.
As qualidades futebolísticas de Eusébio estão condenadas a perdurar no tempo - numa dimensão mundial que resulta na veneração da sua figura por gerações que nunca tiveram o privilégio de o ver jogar. Se "Eusébio é Portugal", na feliz definição de José Mourinho, quem dera se aproveitasse o consenso do momento triste por que passa o país para a fidelização de seguidores do exemplo de bom comportamento social sempre subjacente aos atos do homem Eusébio.
Sim, é difícil manter compostura simples e respeitar terceiros sempre e quando se está rodeado por veneração e/ou interesses materiais. Mas Eusébio foi um exemplo de como é possível seguir essa linha de atuação.
Deve, pois, tentar-se. É essa a principal chave potenciadora de consensos cada vez mais desejáveis para múltiplas áreas do país.
A morte de Eusébio e as suas qualidades foram enfatizadas por todos os partidos políticos, centrais sindicais, deputados, membros do Governo, etc. Será uma hipocrisia se não tentarem levar à prática o denominador comum das virtudes reconhecidas em Eusébio.