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Resistências com 88 anos.
O tema da eutanásia não é novo, fervilha em tempo de guerras, mentiras e esperanças.
A Lei da Eutanásia (Lei n.o 22/2023, de 25 de maio), aprovada pela Assembleia da República e promulgada pelo PR, há mais de quinze meses, continua à espera da regulamentação. Pela quinta vez, o tema subira ao Parlamento e obteve os votos da maioria dos deputados (bancadas do PS, IL, BE, de sete parlamentares do PSD, do PAN e Livre).
A regulamentação deveria ter sido feita em três meses. O tempo quintuplicou e nada. Pelo contrário, ressurgem vozes de resistência.
O tema já foi mais fraturante, mas o clamor - mesmo antidemocrático - continua a fazer-se ouvir contra o direito à morte “medicamente assistida”.
É curioso que uma das primeiras defesas da eutanásia surgiu há 88 anos. Não se soube dela, porque a censura salazarista atuou a preceito. Seria o primeiro artigo sobre o tema, em 1936, no “República”. A censura cortou.
Bem cedo, aos 24 anos, uma jovem professora de Viseu começou a aprender que a liberdade de pensar tinha regras apertadas para espalhar ousadias. Essa jovem - Manuela de Azevedo (1911-2017) - escreveu “Matar por piedade” e os “coronéis da censura” não foram na cantiga do “diálogo socrático”. O “lápis azul” disse: proibido. A jovem envia outro artigo, também para o “República”, sobre a Sociedade das Nações, futura ONU. Destino: cortado.
Apesar dos cortes, Manuela de Azevedo deixa Viseu e desce a Lisboa para se apaixonar pelo jornalismo.
Hoje, oitenta e oito anos depois, o artigo continua a ser atual. E mostra o pioneirismo da jornalista.
O texto segue um registo epistolar. Na sua argumentação, Azevedo fala no “duce” Mussolini, porque Hitler ainda não havia mostrado a sua turbulência. Só em agosto de 1936, o führer começaria a inquietar o Mundo com a proibição de notícias sobre a vitória de atletas negros dos EUA (JO de Berlim).
Manuela de Azevedo viveu até aos 105 anos e mostrou que estava à frente do seu tempo. A defesa da “morte libertadora” é de 1936 e, ainda hoje, há quem cante “Ó tempo volta para trás”. Querem lá saber do direito à liberdade de escolhas sobre o corpo?! O avanço civilizacional não o dispensa, mas as censuras continuam!