A locução latina segundo a qual somos (quase) sempre capazes de ver e aprovar o melhor, mas tendemos a praticar o pior traduz, fielmente, o modo como a questão da eutanásia volta a ser tratada.
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Atribuída a Ovídio, poeta romano, a locução retrata caminhos que, sendo antagónicos, são tantas vezes mesclados: basta que o acessório se sobreponha ao essencial, para que o trilho do dever e da verdade seja rapidamente substituído pela fraqueza do imediatismo e pelo apetite pelo mediatismo.
A questão da eutanásia é disso um bom exemplo. O líder do PSD acha - e acha, estou certo, convictamente - que os valores e as dúvidas em jogo são tantas e tão importantes, que cabe ao povo decidir, através de um referendo, se quer, ou não, que a eutanásia seja possível no nosso país.
O mais fácil é dizer já, seguindo o argumentário do PS: trata-se de uma jogada política de mau gosto, com o objetivo de roubar palco ao Chega, esse aglomerado de luminárias que zela pelos bons costumes da pátria. Creio que é mais sério do que isso. O líder do PSD deixou-se tomar pela emoção num tema que exige razão. E, resumidamente, a razão é esta: "O direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância". Dito, e muito bem, pelo Tribunal Constitucional.
Esta batalha, que vem de longe, merece sempre ser travada: obrigar alguém a sofrer por causa de convicções que não são as suas é praticar o pior, mesmo depois de aprovar o melhor. É num tempo de incertezas crescentes, insufladas por fogos e contrafogos de informação sem sustentação, que as certezas mais valem. E esta certeza tenho-a firme: não quero ficar preso no meu corpo, ou no que dele resta, para apaziguar o sentimento da "comunidade". O respeito pela minha liberdade, balizado pelas exigências legais que estribam a tomada de decisão, é indisputável - e, logo, insuscetível de ser referendado.
*Jornalista