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Duas amplas maiorias parlamentares não bastaram para que o projeto da despenalização da morte medicamente assistida, vulgarmente designada por eutanásia, virasse letra de lei. O Tribunal Constitucional (TC) chumbou, o presidente da República chumbou e o processo legislativo voltou à estaca zero, forçado pela necessidade de se aprimorar o texto final, conferindo-lhe uma densidade tal que o tornasse jurídica e constitucionalmente inatacável. Mas não foi isso que sucedeu. Depois de, em junho, PS, BE, PAN e Iniciativa Liberal terem acordado uma redação final, a verdade é que ainda houve necessidade de solidificar conceitos. Foi estabelecida uma baliza temporal entre o pedido do doente e a consumação do ato médico (cerca de dois meses) e ficou determinado que o paciente fosse acompanhado por um psicólogo.
Tudo parecia, assim, estar bem encaminhado para encontrar uma solução legislativa final mas, em outubro e novembro, Chega e PS pediram novos adiamentos da votação na especialidade. Alegando, claro, com a necessidade de tornar ainda mais robusto o texto. E quando, esta semana, os alinhamentos partidários indiciavam que à terceira seria de vez, a votação voltou a ser travada, a despeito da introdução, à última da hora, de uma alínea, a qual deu ao Chega uma desculpa formal para empurrar o tema para mais tarde e gerar uma quase unanimidade partidária em torno de mais um adiamento.
Portanto, um processo que já sofrera vetos do TC e do presidente da República, e que tem naturais resistências em Belém, continua a arrastar-se por exclusiva responsabilidade dos proponentes. O que se segue? Garantida a votação favorável, que poderá acontecer, na melhor das hipóteses, para a semana, é provável que o presidente envie novamente o diploma para o TC. E, mesmo que haja luz verde do Palácio de Ratton, é de esperar que o processo sofra atrasos com mais pedidos de fiscalização. Entretanto, o tempo vai passando, a legislatura caminha não se percebe bem para onde e um novo ciclo político virá. Pairando sobre todos estará Marcelo, que saberá fazer valer a sua magistratura de consciência.
*Diretor-adjunto