Não imagino se a equipa que preparou a candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura em 2027 leu o livro "Hipercultura - o Preço da Pressa", de Stephen Bertman. É que no conceito de vagar da candidatura estão lá muitas ideias desta obra que nos coloca no trilho perfeito para pensar as limitações de uma sociedade gerida pelo "agora e já". Daqui em diante, Évora terá de se concentrar no mais difícil: criar públicos disponíveis para o consumo da cultura.
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Será grande, e legítima, a desilusão de Aveiro, Braga e Ponta Delgada por terem perdido a corrida a Capital Europeia da Cultura. Ao eleger Évora, o júri terá valorizado também uma certa descentralização territorial, incidindo a sua escolha numa região rica em património e tradições, mas muito nas margens da atenção pública. Poderia a candidatura ter-se vergado à tentação de apresentar uma proposta vocacionada para conquistar rapidamente centralidades que nunca teve. Não foi assim. Assente nos eixos da herança cultural, da intangibilidade e da biodiversidade, Évora recupera os seus traços distintivos mais genuínos, indo mais além: quer fazer tudo isso seguindo um paradigma específico: o vagar. Tal disrupção surpreende-nos pela audácia de ser contracorrente e pela necessidade que sentimos desse modo de estar, e de viver.
Voltemos a Bertman. Quase no fim do livro, o professor da Universidade de Windsor lembra que "o tempo cria espaço", dando um exemplo trivial: "se caminhar devagar por uma rua, aparece uma casa; se descer a rua de carro à pressa, a casa não existe". São justamente as idiossincrasias do presente que vivemos e dos espaços que habitamos que Évora pretende cultivar. Não é tarefa fácil. Com esta vitória, vai ter muito dinheiro, que certamente utilizará para projetos de novas edificações e, também, de reabilitações. No entanto, o grande desafio é criar públicos e retê-los num território de passagem.
Visitando o distrito de Évora com frequência, em cada regresso regozijo-me com os excelentes hotéis, alguns dos quais em belíssimos edifícios cheios de História, com a qualidade gastronómica de imperdíveis restaurantes, e com o singular património material e imaterial... Há sempre muitos turistas a deambular pela região, mas a proximidade de Lisboa poucos dias os retém aí. Ora, é precisamente a fixação de públicos que Évora precisa de promover neste tempo. Para isso, necessita de criar uma marca de uma capital genuína, com manifestações culturais irrepetíveis em qualquer outro tempo e lugar. Évora tem de trabalhar a partir de si própria, mas não pode perder de vista que é na projeção do que tem que estará sempre o valor da marca que conseguirá erguer.
*Prof. Associada com Agregação da UMinho