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Com a luta pela liderança do PS ao rubro, Antonio José Seguro poderá ter alienado esta semana as ténues hipóteses que ainda tinha de vitória. Ao lançar o debate sobre a reforma do sistema eleitoral e ao dar um particular enfoque à diminuição do número de deputados, colocou dezenas de bocas esfaimadas de mordomias a salivar de desgosto e raiva. Infelizmente, é assim no PS, no PSD e em todos os outros partidos políticos. O militante dirigente pensa com o umbigo e só depois tem em conta o interesse global.
A proposta soou a jogada tática, para agradar à opinião publicada, só que antes de a procurar convencer, Seguro precisava de ganhar o partido.
Foi também curiosa, igualmente tática e pouco responsável, a reação de António Costa. Horrorizou-se com a proposta, que "ia ser desastrosa para o PCP e para o Bloco". Ou seja, Costa não teorizou sobre a virtualidade do que estava em debate, limitou-se a fazer de procurador de oportunidade da esquerda radical, na perspetiva de aí colher uns votos dos ditos simpatizantes e de preparar o terreno para um possível acordo pós-outubro de 2015.
Todavia, se nenhum destes irmãos siameses ganhou a prazo com estes rodriguinhos, quem está a perder, a perder uma oportunidade óbvia, é o PSD.
É verdade que a preocupação essencial dos portugueses se centra nas questões económicas e sociais, no emprego, nas pensões, no rendimento decorrente do seu trabalho, no futuro dos seus filhos. Mas também é verdadeiro que muitos culpam a desqualificação da nossa democracia pelos péssimos resultados da governação do país. Daí que o partido maioritário reforçaria um discurso de credibilidade se, a par das medidas de saneamento financeiro e reorganização do Estado nas suas diferentes vertentes, relançasse um programa alargado de renascimento democrático.
Propondo a diminuição do número de deputados com a opção por um Parlamento pequeno e funcional, a institucionalização de círculos uninominais que fizessem com que cada deputado prestasse diretamente contas aos seus eleitores, testando o avanço para uma regionalização político administrativa sensata assente na estrita democratização dos órgãos descentralizados do Estado, já dispersos pelas diferentes regiões.
Assumindo como natural a eleição direta e unipessoal do presidente de Câmara que, depois, como um qualquer primeiro-ministro, poderia constituir e substituir a todo o tempo os membros do seu "Governo", escolhido livremente dentro ou fora dos partidos, mas obrigatoriamente sujeito ao veredicto aprobatório do Parlamento local, a Assembleia Municipal.
Disciplinando e moralizando a intervenção dos ditos "independentes" na vida pública. Esse louvável e refrescante estatuto devia, no entanto, estar assente em duas premissas. Só seriam candidatáveis como independentes quem nos quatro anos anteriores não tivesse tido filiação partidária, sendo-lhes também interdita qualquer candidatura de partido nos quatro anos subsequentes. Só assim se terminaria com a mentira presente, em que a maioria dos independentes que vão a jogo eram na véspera militantes a quem o seu partido não quis dar guarida e, muitos deles, estão de imediato de transbordo para uma lista partidária futura. É assim feito o total aviltamento de um estatuto legítimo e putativamente útil.
Mas a lavagem moralizadora devia ir ainda mais fundo e, dentro de princípios gerais que defendessem o núcleo central dos preceitos constitucionais, não devia ter qualquer pejo de se imiscuir na própria lógica de estruturação do sistema de partidos.
Os partidos deviam fazer prova quinquenal da sua existência real, atividade, participação cívica. O espetáculo degradante de dezenas de partidecos sem militantes, sem dirigentes, sem ideal, que aparecem nas proximidades dos vários atos eleitorais, é tudo menos a vitória do pluralismo tolerante. É mais uma mentira, uma fraude, hoje levada ao extremo de muitos deles, sem sequer se saber a troco de quê, se transformarem em circunstanciais barrigas de aluguer da promoção individual de meia dúzia de habilidosos e oportunistas.
A redignificação da figura do referendo nacional vinculativo e a utilização mais repetida do referendo de cariz local, eram instrumentos a ser agilizáveis com sentido útil.
O mais provável é que tudo isto vá para a semana para arrecadação da história, mas seria lamentável para várias gerações de sociais-democratas que, passada a refrega eleitoral, o PS pudesse vir a assumir de facto algumas destas bandeiras, ultrapassando um PSD que, em novembro de 1991, quando da apresentação do Programa de Governo do segundo executivo de maioria absoluta de Cavaco Silva, colocou quase tudo isto na bandeja do debate parlamentar!
P.S.: É um erro grosseiro a forma como o CDS e o PCP se opõem ancestralmente à diminuição parlamentar de deputados e à sua eleição uninominal. Penso que ambos lucrariam muito com o sistema. Porque um círculo nacional compensatório salvaguardaria a sua real e legítima representatividade, mas também porque a qualidade superior dos seus quadros poderia permitir-lhes vitórias em zonas onde pelo método cinzento de lista massiva não têm grandes hipóteses.