É o que me vem à cabeça sempre que leio, estudo ou participo em exercícios de planeamento prospetivo. E neste momento, estes exercícios sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. Ou porque saímos do período troika, ou porque fazemos orçamentos para o ano, ou porque vem aí o Portugal 2020 ou porque sim, muitos se desdobram em reflexões sobre como fazer acontecer um Portugal melhor.
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No fim de semana passado, ouvi mesmo um protagonista da nossa vida pública dizer que tinha participado, entre segunda e sábado, em três conferências sobre o futuro de Portugal! E no entanto...
Este assunto mantém-me perplexa há muito tempo. Ou seja, por que é que há tanta gente a pensar e tantos exercícios depois não somos capazes de identificar melhorias sistemáticas e sensíveis na nossa vida coletiva?
Durante uma parte significativa da minha vida profissional, na instituição onde servia era chamada a refletir e a propor medidas de política pública várias vezes ao ano. Das Grandes Opções do Plano ao Plano de Desenvolvimento Regional, das avaliações ex-ante, intercalares e ex-post dos vários instrumentos da política de coesão, aos livros brancos, verdes e azuis, das agendas setoriais a mil e um documentos recapitulativos, enquadradores, etc., etc.
Tenho para mim que o cidadão comum tem esta noção intuitiva: estamos todos fartos de diagnósticos e propostas.
Mas por que é que afinal não servem para nada?
Porque (digo eu):
1. Não gostamos de assumir riscos e, consequentemente, não gostamos de priorizar e de eliminar os temas acessórios.
2. Condenamo-nos, por isso, a meter o Rossio na Betesga, ou seja, não nos propomos refletir e fazer propostas sobre um ou dois assuntos realmente importantes; identificamos os problemas todos desde o princípio da nacionalidade e achamos normal ser capaz de lhes responder em quaisquer duas semanas.
3. Somos prolixos; relatório final que não tenha para cima de 300 páginas não é trabalho que se veja; claro que o facto de termos de responder a uma infinita quantidade de problemas ajuda muito ao caso.
4. Temos horror ao preciso/claro; mesmo que a questão fosse só uma, havíamos de lhe responder garantindo que se ensanduichava entre uma longa introdução e conclusão e quase sempre ao estilo "pode ser assim e o seu contrário".
5.Esquecemo-nos que pensamos no futuro daqueles que vão viver esse futuro; com a maior das facilidades juntamos pessoas da geração dos atuais governantes (a minha) e, presos pelas nossas próprias angústias e frustrações, projetamos a sociedade em que gostaríamos de ter vivido e as ideias que vimos tendo e que ninguém ouviu; azar! Já não somos os "opinion leaders", não vivemos as dificuldades da geração que agora tem entre 20 e 30 anos, esgrimimos uma modernidade limitada nos conceitos e, portanto, o que pensamos não lhes interessa; justificamos a falta de eco com a ideia de que os jovens de agora não querem saber destas coisas para nada e estão cada vez mais afastados da coisa pública; pudera......
6. O oposto também não serve; ou seja, um esquema que privilegie apenas a geração a seguir (tão vulgar nesta paternalista onda de ensinar os jovens a "empreender") deixa-os desconectados dos sistemas em vigor que devem ser partilhados por quem tem experiência e na justa dose.
7. Vem depois o problema fundamental da administração; não se trata do propalado centralismo lisboeta (que existe e penaliza muito o exercício); trata-se, sim, de verificar que as cadeias de transmissão das decisões e políticas se emaranham, justapõem e, sobretudo, caem de paraquedas sobre o território. Numa geometria de tal maneira variável que dissolve a mais pequena garantia de eficácia ou mesmo avaliação.
8. Por último, a magna questão da governação; a que escala devemos planear e decidir? Mesmo que por contágio de uma qualquer lucidez errante, os nossos governantes se dessem ao trabalho de fazer coincidir as várias esferas da administração, a que escala deviam coincidir? Há coragem para regionalizar a custo zero? Ou há disciplina para consolidar as realidades supramunicipais?
Enquanto não houver uma ou outra, greve aos diagnóstico e propostas e execução sumária deste nosso vício coletivo!