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O pior pesadelo para os conservadores britânicos teve um rosto por 45 dias e, tendo terminado, não fez acordar o partido numa manhã gloriosa que passe a contar outra história. O oásis não chegou à política do Reino Unido "(What"s the Story), Morning Glory", nem tão-pouco elegeu sucessor que o instale. A demissão de Liz Truss, inevitabilidade num Governo com a primeira-ministra mais irresponsável e impreparada de que há memória, foi o último acto de um percurso meteórico de seis semanas que não só incendiou e reduziu a cinzas a economia britânica, como tratou de dar o dito por não dito sobre quase tudo o que afirmou, prometeu e quis concretizar.
Os mais pobres, afinal, não podem pagar a crise sem que haja consequências. O idealismo individual e neoliberal sofre um rude golpe para memória futura e recomenda cautela quando a economia selvagem trata de entrar à "cowboy" pela porta da frente dos mercados, como se arrombasse a porta de um "saloon". Foi preciso mercado e mais Estado para lidar com a hecatombe provocada por tanta fé do "think tank" liberal na lírica mão invisível de Smith.
Não é só o Reino Unido que mergulha em mais uma crise de sucessão, é o Partido Conservador que trata de tentar escapar à morte. As várias visões políticas dos tories têm estado permanentemente em confronto ao ritmo da sucessão dos escândalos. Se Boris Johnson era uma mina, há já quem deseje que reverta a extracção: muitos são aqueles que defendem o regresso do ex-primeiro ministro. Esta solução, não sendo ímpar na História, tem o condão de recriar o ambiente de desconforto que levou à sua bem recente demissão. Um contra-senso, regresso ao passado demasiadamente próximo e um tiro no pé que os conservadores certamente evitarão.
O tempo não estará para atiradores furtivos nem para caça brava. A aposta numa solução de rigor técnico e de aventureirismo-zero é o único caminho que permitirá encurtar distâncias para o Partido Trabalhista de Keir Starmer até às próximas legislativas, evitando eleições antecipadas. Starmer e Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa, já reclamaram pela realização imediata de eleições. A situação "ultrapassa a realidade e a paródia", afirma Sturgeon que, bem recentemente, assegurava "detestar tories e tudo o que representam". Um dos muitos processos de independência. Da escolha dos conservadores britânicos não dependerá apenas um novo inquilino no 10 da Downing Street. O manual de sobrevivência do Reino Unido tal como está escrito não resistirá a mais um "Exit no Brexit". Poderá ser o povo a declarar a independência do Reino Unido em relação ao Partido Conservador.
*Músico e jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia