O período de resgate que vivemos não foi uma maçadoria no que toca ao vocabulário. Aprendemos palavras novas (troika), novos significados para outras que já conhecíamos (irrevogável) e que o significado de algumas varia consoante quem as usa (reestruturação). "Experimentalismo" é das mais impressivas. Refere-se à utilização de Portugal como cobaia para testar os efeitos de certas políticas. As ciências sociais e humanas têm uma desvantagem quando comparadas com a Física ou a Química: não é possível fazer testes em laboratório. Nas últimas décadas recorreu-se mais a simulações, embora se trate de situações envolvendo apenas indivíduos ou pequenos grupos. Apareceram, também, os "randomistas", cientistas sociais que aproveitam a introdução de certas medidas (por exemplo, sanitárias) para, numa espécie de lotaria ("random", em inglês, corresponde a aleatório), as atribuírem a um grupo populacional, enquanto um outro, com características idênticas, não tem essa sorte. A análise dos comportamentos e resultados permite conclusões práticas que, não raro, questionam o que a teoria parecia prever. Mas nem tudo é "randomizável".
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Os elementos da troika teriam, então, usado Portugal para experimentar certas políticas e verificar os seus efeitos. Nós próprios, enquanto país, andamos há uns anos, quando não séculos, a experimentar viver sem produzir a riqueza de que fruíamos - foi assim desde os Descobrimentos, passando pelo ouro do Brasil, as remessas dos emigrantes e, mais recentemente, os fundos europeus e o crédito, fácil e barato, que parecia inesgotável. De repente, quem nos emprestava o dinheiro para nós fazermos experiências resolveu que seriam eles a puxar os cordelinhos - lá diz o ditado, quem paga a banda, escolhe a música.
Se mesmo os resultados passados são motivo de discordância (continua a haver polémica sobre os erros que levaram à Grande Depressão de 1929-1933 ou sobre as medidas que ajudaram à sua superação), pouco admira que não haja consenso, nem aproximado, sobre a justeza das medidas impostas pela troika e, muito menos, a sua eficácia. Bastará ver que os Estados Unidos seguiram um caminho diferente e não têm obtido piores resultados. Mais do que embandeirar em arco, ou desdenhar, o nosso desempenho recente, valerá a pena questionarmo-nos sobre a inevitabilidade e dimensão dos custos em que incorremos e, sobretudo, sobre se terá havido as mudanças que sustentem a recuperação ou se esta não passa de um resultado colateral de uma evolução em que não somos actores mas apenas figurantes (a vilipendiada Grécia não tem tido, em termos relativos, pior desempenho do que o nosso).
Quando se passa do país para a empresa, da macro para a microeconomia, torna-se mais fácil fazer emergir protagonistas, os supergestores. Embalados por sucessos anteriores, muitos deles abalançam-se em experimentalismos fracassados que uma história feita apenas de sucessos omite. Paradoxalmente, já que apenas os erros nos permitem tirar lições definitivas.
Pinto da Costa (PC) é, sem dúvida, o melhor dirigente desportivo português de sempre. Num regime democrático, sujeito a múltiplos escrutínios, é impossível acumular o seu palmarés sem competência e saber. Mas há máculas: 2004/2005 foi um annus horribilis, pelo desnorte e falta de critério em aquisições nas quais se desbarataram muitas dezenas de milhões de euros que teriam dado outra folga financeira ao clube. PC ainda hoje se deve arrepender dessa época. No ano seguinte, corrigiu o rumo e o FCP venceu 7 dos últimos 9 campeonatos. Terá servido de lição? O sucesso tende a gerar autocomplacência, bajulação e oportunistas. A época prestes a acabar suscita interrogações. Nas duas anteriores já houvera experimentalismo, no caso com o treinador. Correu bem no plano interno e mal no internacional. Entretanto, venderam-se (como tem de ser!) os melhores jogadores e comprou-se muito e, em média, mal. Somado com um treinador sem carisma, só por milagre o milagre se repetiria. Houve duas sem três. Mesmo sendo Pinto da Costa, experimentalismo, está visto, não rima com (gestão do) futebol. E agora?