Não escrevi por inteiro e já me arrependi de ter escrito mesmo assim. Mas a irritação que levou alguns a escrever "Construam-me, porra!" nos muros do que viria a ser a barragem do Alqueva deve ter sido mais ou menos a que eu sinto hoje a propósito da demissão de Vítor Gaspar. Por que será que ninguém explica nada com clareza e transparência neste mundo político português? Frases curtas e claras: do lado do ministro cessante: "Acreditei que a política prosseguida daria certo. Não deu. O que é preciso fazer para corrigir tem de ser feito por um novo ministro. Por razões de credibilidade e energia".
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Está lá tudo: que o ministro de facto acreditou na receita que ainda por cima nos foi imposta por terceiros. Que os portugueses deixaram de acreditar na sua convicção. E, pelos vistos, o Governo também. Que não é preciso apenas corrigir a rota mas reparar os danos acrescidos de uma receita incorreta levada longe de mais. E que tudo isto requer uma força anímica e uma energia política que não é razoável exigir a nenhum ser humano.
Do lado do primeiro-ministro: "Não podemos deixar de aceitar as razões apresentadas. Não deixaremos de ponderar os seus fundamentos e o seu impacto na política do Governo. Agradecemos a dedicação e o sentido de Estado do ministro Vítor Gaspar". Ponto.
Foi ponto, mas de exclamação! A exclamação de surpresa de quase todos. Em vez da ponderação que se impunha tivemos direito a uma promoção automática.
Não nos explicaram porquê nem com que sentido. Deixam-nos mesmo perplexos se lermos a carta de Vítor Gaspar (na sua parte mais importante, a que é virada para o futuro) e percebermos que a seu ver é preciso uma rápida transição do ajustamento para uma nova fase: a fase do investimento! Que para isso é preciso alguém, gerador de confiança e credibilidade.
Não pode, pura e simplesmente, alguém que até hoje foi técnica e politicamente solidária com esta política assumir-se como pivot da mudança recomendada.
Então? Não sei. Não percebo. O primeiro-ministro não concorda que é a hora de mudar/evoluir para outra fase? Acha que sim mas que tem de ser a mesma equipa a levá-la por diante? Acha que se ficar alguém da mesma equipa internacionalmente é como se fosse um avatar de Vítor Gaspar? Tudo combinado e testado com a troika? Pela reação de Schaüble......
Porque se ficar Maria Luís Albuquerque fica um resto de teimosia e um respaldo por intermédia pessoa que vai ser útil quando o primeiro--ministro encarregar o novo número dois do Governo de se desembaraçar da famosa reforma do Estado? E Portas vai alinhar?
Ou será que a nova receita preceituada pelo ministro cessante é perigosa? "A fase do investimento"! Que investimento? Privado? Público? Os dois? Baixando os impostos? Estimulando o investimento público (usando fundos comunitários)? Abandonando ou atenuando os cortes transversais na administração do Estado? Negociando mais tempo e metas menos ambiciosas?
É, num certo sentido, um novo programa de Governo. E no entanto, se bem explicado, não careceria de novas eleições para ter apoio popular. Ficávamos todos mais esperançados porque as coisas faziam sentido.
Sentido para o futuro. Não preciso de qualquer clareza adicional sobre conselhos de ministros atribulados, más relações interpessoais ou mesmo políticas, mandatos dados ou por dar e outras diferenças quase normais num caminho de governação difícil sob qualquer ponto de vista.
Enquanto cidadã preciso de comunicação clara, fundamentada, dada por quem decide quando estritamente relevante. Sempre e só sobre o que é importante para o coletivo. Não preciso de briefings diários sobretudo se começarem com alguém que no fim já não é quem era. E exijo que se perceba que nem tudo pode ou deve ser intermediado pela Comunicação Social. Ainda há lugar para o discurso direto na primeira pessoa. Nem que seja por carta.
P.S.: Escrevi esta crónica no dia 1 de julho logo que se soube da demissão do Sr. MEF. Não vejo razões para a alterar. Até porque, por agora, nada nem ninguém se explicou sobre coisa nenhuma. De 1 a 5 de julho!