Quando se tem o privilégio de escrever regularmente num órgão de Comunicação Social como o JN, temos o dever de pautar essa intervenção por critérios éticos espartanos. A opinião livre e convicta movida por motivações nobres pode, contudo, ser entrecortada por temáticas em que tenhamos um interesse objetivo mais pessoal, mas só se soubermos nessas circunstâncias despir a camisola das emoções e sermos estritamente factuais. É o que vou fazer hoje ao abordar um assunto que faz interface com a minha vivência de uma década e meia - a realidade de Gaia decorrente da gestão de que fui responsável.
Corpo do artigo
Durante muitos anos Gaia esteve nas bocas do mundo, porque era um caso de desenvolvimento acelerado, único no país em tão curto espaço de tempo. A partir do início de 2012 o enfoque passou para o relato dum suposto sufoco financeiro, subalternizando a dimensão do volume avassalador de investimento realizado - leia-se obra feita.
As motivações eram óbvias, compreensíveis.
Até setembro de 2012 fizeram-no os candidatos à Câmara do Porto, que contestavam o meu projeto. Desde então o discurso catastrofista passou para a atual Câmara de Gaia, como consequência de uma falta de confiança própria que normalmente pauta os inícios de mandatos.
Não sou cáustico em relação a quem segue este trilho, procuro aceitar o facto como fazendo parte do jogo democrático, sem prejuízo de ter o dever e o direito de contribuir para um total esclarecimento público.
Em primeiro lugar, convém referir que o poder local democrático, com uma obra notável de quatro décadas, só é responsável por cerca de 5% da dívida pública. Isto quando se governa com uma migalha do Orçamento do Estado, que o espartilha com uma lei redutora, que faz com que - números de 2013 - só 55 municípios apresentem um superavit anual de gestão.
Contra a corrente, com criatividade, Gaia investiu mais de 1,5 mil milhões de euros numa década. Isso significou modernidade e humanidade. A melhor rede de saneamento do país, 4000 novas casas para famílias pobres, uma costa de mar campeã de bandeiras azuis, um Centro Histórico notabilizado pelos seus teleférico, marina e hotéis de primeira linha, um grande equipamento desportivo em 20 das 24 freguesias, uma rede escolar notável, uma rede de espaços verdes que atingiu o número sueco de 10 m2 por habitante, uma enorme panóplia de equipamentos culturais, uma rede de novas vias a rasgar o concelho de lés a lés, gigantes projetos de reabilitação como o de Vila d" Este.
Nesse contexto ainda honramos os nossos antecessores. Heitor Carvalheiras e Barbosa Ribeiro, o homem que mais sabe de poder local em Gaia.
Acontece que este grande salto para a qualidade de vida não custou um tostão de esforço extra aos munícipes. As taxas e tarifas em Gaia estão equiparadas às da restante Área Metropolitana.
Mas fruto desse esforço ainda está Gaia em situação de grandes dificuldades financeiras? Como 3/4 das autarquias portuguesas ainda tem problemas circunstanciais de tesouraria, mas está muito melhor do que estava há seis anos, numa altura em que não havia choradinho diário, nem se parava de construir oportunidades de investimento.
Factos: Gaia está muito bem colocada na hierarquia do endividamento municipal per capita - repetimos pedagogicamente que é uma afirmação maldosa e ignorante referir o passivo em valor absoluto. Com esse critério, quase idiota, os Estados Unidos e a Alemanha eram os mais endividados do Mundo!). Por isso Gaia ficou de fora dos apertados critérios há pouco definidos pelo Governo para aferir o limite crítico de endividamento. Gaia ficou fora do FAM - Fundo de Apoio Municipal. A Câmara de Gaia não tem só o passivo mais baixo dos últimos nove anos, tem também a melhor situação de tesouraria dos últimos dez anos - 30 milhões de euros, contra 48 em 2005 ou 73 em 2010, ano em que passei a liderar a gestão financeira.
É neste quadro que a Câmara diz que se vai socorrer de um empréstimo de curto prazo de 35 milhões de euros. É uma opção de gestão, não uma necessidade. Com dívidas de curto prazo duplas da atual, nunca tal instrumento foi utilizado. Mas é mais um bom sinal. Sinal de que a Câmara continua com capacidades de endividamento e recurso ao crédito.
Finalmente, os muito falados processos judiciais que podem vir a onerar a Câmara em algumas dezenas de milhões de euros. Todas as grandes câmaras os têm. Ganham uns, perdem outros, alguns deles injustamente. Nos meus mandatos vencemos centenas e estávamos em dificuldade em dois, julgados, curiosamente, pela mesma magistrada, cujos primeiros acórdãos foram considerados injustos, mesmo bizarros, por eminências do direito administrativo português, como o professor Mário Esteves de Oliveira.
Ambos têm mais de uma década. O principal surgiu porque, na defesa da saúde pública, nos parecia ilegal e insuportável ter silos a poluir com pó de cimento a 250 metros da Avenida da República.
Estes processos ainda não transitaram definitivamente em julgado, mas não podem ser vistos de forma diversa daqueles que julgo, também na defesa da cidadania, obrigaram a Câmara de Rui Rio a pagar mais de 100 milhões de euros na querela do Parque da Cidade, ou estão a obrigar António Costa a pagar 180 milhões de euros à Bragaparques!
São incidentes que envolvem quem tem a coragem de enfrentar dificuldades em nome do coletivo. E que cabem ser resolvidos por quem tem a responsabilidade de gestão. Não vi Rio ou Costa a soluçar na praça pública por terem de enfrentar tais vicissitudes.
Face a estas atualidades, espero não ter de voltar mais a este tema, e no que diz respeito ao Município de Gaia só espero que ultrapassada esta fase de apalpadelas do terreno regresse rapidamente à esteira de desenvolvimento em que manifestamente o deixamos.
Por mim, esta temática está encerrada e só voltarei ao tema, no momento próprio, escolhido por mim, e não impelido por jogadas sujas de bastidores preparadas por alguns que só sobrevivem na manipulação da opinião pública. Fora e dentro do meu partido.