Há quatro falácias que dão muito jeito aos políticos, que as esgrimem em defesa das suas opções sem cuidar de que o feitiço não se vire contra o feiticeiro. O que tem boas hipóteses de acontecer porque essas quatro falácias - a do preço da perda da soberania, a do preço do dinheiro que nos emprestam, a do preço do trabalho desqualificado e a do preço da moral social - radicam em argumentos de duplo sentido e alheios a qualquer comprovação.
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O preço da perda de soberania tem sido usado para justificar todos os cortes como consequências do programa de intervenção e assistência da troika, sem a preocupação de responder a questões tão simples quanto esta: então, se dispuséssemos da nossa soberania, se estivéssemos, por exemplo, em regime de PEC, como ao tempo do Governo de Sócrates, não teríamos de proceder a idênticos cortes em função de o nosso enorme défice ter de ser sujeito e conformado ao nível do definido pelo tratado europeu?
Também o preço do dinheiro que nos emprestam tem servido para justificar como inevitável o grau de austeridade a que as famílias portuguesas têm estado sujeitas. Dizem--nos que este penar serve para recuperar a soberania e podermos leiloar as necessidades de crédito do Estado e melhores condições. Esquecem-se de nos dizer que o preço do dinheiro que a troika nos empresta é mais baixo do que aquele que iremos obter nos mercados financeiros em regime livre e mesmo em regime cautelar, se viermos a recorrer à ajuda do Banco Central Europeu.
Por sua vez, o preço do trabalho desqualificado tem sido esgrimido como sendo o fator essencial da variação do salário mínimo e do desemprego. Não importa sequer discutir a moralidade deste argumento [veremos adiante como a moral pode ser perversa], uma vez que os adversários do aumento do salário mínimo baseiam a sua tese no consequente aumento do desemprego por efeito da carestia do preço do trabalho desqualificado. Ora, todos nós, que temos conhecimento do mundo para além das alcatifas, sabemos da vida que milhares de portugueses qualificados, e até altamente qualificados, já se entregam a trabalhos precários, pagos com salários miseráveis, e ainda dão graças por poder escapar ao desemprego. E outros milhares já emigraram para fugir a ambas as contingências.
Por fim, vendem-nos a ideia de que, no quadro do programa da troika [será só dela?], há, apesar de tudo, uma moralidade social na forma dos cortes como os feitos sobre as pensões. É isso mesmo que argumentam para nos convencerem de que cortar pensões pode ser justo a partir deste ou daquele outro montante. Sem cuidar de ser ou não legal que o Estado exproprie os seus cidadãos. Não de património ou de depósitos em banco como no Chipre, mas pior por se tratar do dinheirinho poupado para o fim da vida.