Regressado de umas curtas férias, vim encontrar a imprensa do fim-de-semana entretida em especular se a mensagem de Ano Novo do presidente da República significava, ou não, o fim da chamada cooperação estratégica com o Governo. Em causa estariam as palavras do PR apelando a que se falasse verdade sobre a situação económica e as suas consequências.
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Confesso que não ouvi, ou li, a comunicação em causa. Não me interessa, aqui, elaborar sobre as eventuais dimensões e consequências políticas, subjacentes a este episódio. Já quanto à necessidade de falar verdade sobre o período que estamos, e iremos continuar, a atravessar, parece-me haver espaço para algumas clarificações. Tanto quanto percebi, a verdade de que Cavaco falava resumia-se, mais ou menos, a dizer que vêm aí tempos difíceis que afectarão, em especial, alguns grupos, mas requerem o empenhamento de todos na sua superação. Ressalvando o episódio, um pouco caricato, em que Sócrates chamava a atenção para a descida de alguns preços e, consequentemente, para a melhoria do poder de compra de quem mantivesse o respectivo rendimento, o Governo tem vindo a fazer o que qualquer outro faria: paulatinamente, foi ajustando o discurso, pontuando-o com referências a dificuldades crescentes, embora sem nunca chegar a falar expressamente de crise. Tardou a fazê-lo? Exagerou na sua capacidade para nos fazer passar ao lado da crise, subalternizando o papel da nação? Dou de barato. Outros fariam o mesmo.
O que é falar verdade hoje em dia? Se alguma coisa esta crise tem tornado claro é, precisamente, a dificuldade em falar verdade. Vejam-se as previsões das instituições económicas ou leia-se o que escreviam os analistas há seis meses e compare-se com o que, de facto, aconteceu. Todos pecaram por defeito. Pecado que, provavelmente, repetirão quando a retoma chegar.
Dir-me-ão que houve alguns analistas, ou partidos políticos, que acertaram no que iria acontecer. Sucede que esses têm vindo a dizer o mesmo há anos. O seu discurso pessimista tem eco no catastrofismo de que se alimentam os nossos meios de Comunicação Social. São completamente inúteis. Tal como um relógio parado que está certo duas vezes ao dia. O que não acontece com um relógio ligeiramente atrasado ou adiantado. Que, no entanto, nos serve de guia.
Falar verdade é importante no sentido sublinhado por Cavaco: permitir a mobilização de vontades para superar as dificuldades. Num país tão dependente do Estado, falar verdade é sinónimo de desenhar um programa de incentivos e apoios adequado. O Governo tem, em primeiro lugar, de falar verdade para si mesmo. Não se deixar enganar pelo seu próprio discurso. Estar preparado. Se assim não for, vai andar atrás dos acontecimentos. E ficar isolado.
O programa apresentado em meados de Dezembro aponta na direcção certa. É hoje óbvio que não chega. Vai ser precisa mais intervenção do lado da procura. O caso dos monumentos nacionais degradados, reportado pelo "Expresso", é um bom exemplo pelo impacto que pode ter no turismo. Vão ser precisos mais estímulos à oferta, nomeadamente nos sectores de mão-de-obra intensivos, com vocação exportadora. Vão ser precisos sinais, ainda que simbólicos, de solidariedade, como um imposto especial sobre os altos rendimentos canalizado para acções de natureza social. Esta é a verdade!