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A semana compõe-se na recomposição da tragédia, carruagem-elevador para todas as vozes que furam o luto e avançam determinadamente à procura da verdade. É mesmo assim, existe um tempo que se faz tempo, que se antecipa em muito ao tempo devido. Sai do trilho e é indiferente ao que importa ou não, trata de julgar e precipitadamente. O que pouco interessa no mais-dia-menos-dia assalta voraz na vontade de encontrar culpados, no julgamento fácil, sem cuidar de perceber que é, tantas vezes, a vertigem da indiferença ao longo dos anos, tratamento placebo e sem dor, que permite e cria o argumento novelo para uma tragédia. Passamos a vida a falar de responsabilidade política pelo que sucede no momento, sem cuidar de falar do crónico desinvestimento em políticas públicas que vêm de há muito.
Não ajuda quando os acossados mentem ou procuram usar de uma nada benevolente falta de rigor para recriar situações que no passado estavam mais do que resolvidas. Até quando visam quem cá já não está para contar ou se poder defender. A ligeireza com que Carlos Moedas se refere às informações que o então ministro Jorge Coelho tinha ou deixava de ter sobre a fatalidade da queda da ponte em Entre-os-Rios, corria o ano de 2001, é mais danosa para a sua imagem enquanto responsável político do que tudo o que até agora se sabe sobre a sua responsabilidade na tragédia com o Elevador da Glória. Não vale tudo, sobretudo para quem tem a responsabilidade de saber que nada se provou sobre a possibilidade de Jorge Coelho ter conhecimento sobre qualquer problema estrutural na ponte. Quando sabemos o que não podemos dizer e ainda assim dizemos, estamos na fronteira da mentira ou entramos nela, impropriamente dita.
Não fosse cómico, seria trágico, não deixando de ser grave pelo sinal de ligeireza ignorante e pelo populismo desmedido. Erros todos cometem, mas com semelhante estilo é para poucos. As declarações atiçadas de André Ventura sobre uma suposta ida de Marcelo Rebelo de Sousa, autorizada e paga por todos nós, a uma feira de hambúrgueres em Berlim, entra para o anedotário político português e, mais do que tudo, é reveladora do carácter reactivo e demagógico da sua comunicação política. Nem todos têm de saber alemão, mas talvez alguém devesse saber esperar um pouco sem verter risota nas redes sociais. Outros casos há, bem mais graves, nomeadamente quando se anuncia e reproduz que a flotilha humanitária que tenta rumar a Gaza parou numa festa em Ibiza. Há aqui outra responsabilidade, quando se mente sobre aquilo que se sabe ou se devia saber. Mas o mal está em querer jogar o jogo das parecenças com o Chega, como se fosse uma Iniciativa ao espelho.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia